TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

402 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para controlar a legitimidade constitucional da norma que suportou tal decisão – o n.º 2 do referido artigo 196.º – impõe-se começar por caracterizar as “licenças de saída” no âmbito do regime de execução das penas e medidas privativas da liberdade, procurando sobretudo conhecer se tais licenças estão inseridas no campo dos “direitos dos reclusos”, cuja tutela efetiva exige a intervenção dos órgãos jurisdicionais, para depois aferir se tal proteção jurídica está garantida na Constituição. A concessão de “saídas precárias” aos condenados a penas e medidas de segurança privativas da liberdade foi introduzida no direito penitenciário português através do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de outubro, diploma que consagrou, pela primeira vez, entre nós, a intervenção direta de uma magistratura especializada no cumprimento das penas e medidas de segurança privativas de liberdade e na reintegração social dos con- denados, como expressamente se refere no respetivo preâmbulo. Embora a anterior legislação já previsse a saída precária da prisão, assim como a jurisdicionalização da execução das penas e medidas de segurança, fazia-o em situações que nada tinham a ver com a intenção de socialização e com a garantia dos direitos do recluso. O Decreto-Lei n.º 26 643, de 28 de maio de 1936 (Reforma Prisional de 1936) continha apenas uma disposição – o artigo 314.º – que previa a saída precária dos reclusos, por tempo não superior a 12 horas, quando fossem chamados a juízo ou por outro motivo justi- ficado excecionalmente grave e urgente, autorizada pelo Ministro da Justiça, mediante informação favorável da autoridade judicial. E a jurisdicionalização da execução das penas, iniciada com a criação dos tribunais de execução das penas pela Lei n.º 2 000, de 16 de maio de 1944 (posta em execução pelo Decreto n.º 34 540, de 27 de abril de 1945), não visava a tutela dos «direitos dos reclusos», pois teve a preocupação de evitar interferências de caráter judiciário na vida interna das prisões, por se entender que tal ingerência «poderia diminuir a auto- ridade, o prestígio e a iniciativa da direção do estabelecimento prisional» (cfr. J. Beleza dos Santos, “Os tri- bunais de execução das penas em Portugal”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , Suplemento XV, Homenagem ao Doutor José Alberto dos Reis, Vol. I, pp. 290 e 291). Com a Constituição de 1976, reconheceram-se os direitos fundamentais do recluso e afirmou-se a lega- lidade na execução das penas, de que resultou a necessidade de conformar o “estatuto jurídico do recluso” e de alargar a intervenção do poder jurisdicional na execução das penas privativas da liberdade. Tal propósito foi logo concretizado pelo Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de outubro, em cujo preâmbulo se afirma que «o juiz prolonga a ação do poder judicial na fase do tratamento penitenciário, atenuando a des- continuidade que tradicionalmente tem exercido entre o julgamento e condenação, por um lado, e atuação penitenciária dirigida à reintegração social do recluso, pelo outro». Ao tribunal de execução das penas passou a ser cometida a função de garantia da posição jurídica do recluso, com o poder de intervir nas relações entre a administração penitenciária e os reclusos, abrindo-se dessa forma «um itinerário em que se torna natural a extensão do controlo jurisdicional a qualquer questão relativa à modelação da execução que possa contender com os direitos do recluso» (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar Sobre A Questão Penitenciária, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 137). O alargamento da intervenção jurisdicional na vida interna das prisões traduziu-se assim na atribuição ao juiz de execução das penas de poderes para visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos prisio- nais, a fim de tomar conhecimento da forma como estão a ser executadas as condenações; ouvir, na altura das visitas, as pretensões dos reclusos e resolvê-las de acordo com o diretor do estabelecimento; decidir os recursos interpostos pelos reclusos relativos a sanção disciplinar que imponha o internamento em cela disci- plinar por tempo superior a oito dias; convocar e presidir ao conselho técnico do estabelecimento sempre que o entenda necessário; e conceder ou revogar a «saída precária prolongada» (cfr. artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 783/76). A saída precária prolongada foi uma medida inovadora introduzida no Capítulo VI do Decreto-Lei n.º 783/76 (artigos 34.º a 38.º), onde se fixaram os requisitos, condições, efeitos e procedimento de conces- são. Apenas podia ser autorizada aos (i) condenados a penas e medidas de segurança privativas da liberdade

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