TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

405 acórdão n.º 752/14 8. O CEPMPL não é tão categórico como a anterior legislação quanto à definição da natureza jurídica das licenças de saída: enquanto o artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 265/79 prescrevia que as saídas precárias não eram um «direito do recluso», o atual código faz uma enumeração exemplificativa dos «direitos do recluso» no artigo 7.º, sem qualquer referência às licenças de saída. É certo que na alínea e) desse artigo há uma intenção normativa de se proteger a manutenção de «contactos dos reclusos com o exterior», designa- damente através de visitas, comunicação à distância ou correspondência, onde também se podem incluir as saídas do estabelecimento prisional. Mas não é menos certo que essa posição jurídica não confere ao recluso o poder de exigir ou pretender da administração judiciária ou do juiz de execução das penas a concessão de saídas, porque os contactos com o exterior só podem ser mantidos «sem prejuízo das limitações impostas por razões de ordem, segurança e disciplina ou resultantes do regime de execução da pena ou medida privativa da liberdade». De facto, os requisitos e critérios de que depende a concessão da licença – artigo 78.º – conferem aos órgãos decisores uma ampla margem de discricionariedade que não se adequa com a atribuição ao recluso de um poder da vontade juridicamente protegido. A intervenção do juiz ou da administração penitenciária destina-se a averiguar se, perante a evolução do tratamento prisional, tal medida é adequada e necessária para se atingir o objetivo da reinserção social. Um dos princípios orientadores na prossecução desse objetivo é o princípio nihil nocere, segundo o qual a execução, na medida do possível, deve evitar as consequências nocivas da privação da liberdade e aproximar-se das condições benéficas da vida em comunidade (n.º 5 do artigo 3.º). Ora, o contacto com o exterior mediante saídas temporárias não só favorece a reinserção social do recluso, na medida em que evita os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, como assegura uma transição menos brusca da reclusão para a liberdade total. Por isso, o interesse público específico que em primeira linha se pretende realizar com as saídas do estabelecimento prisional é o de promover a socialização do recluso e/ou o de evitar a sua dessocialização. As saídas durante a execução da pena de prisão representam uma atenuação do princípio da continui- dade da execução da pena privativa da liberdade, uma vez que o condenado é posto em liberdade durante alguns dias, valendo esse período como tempo de execução da pena (n.º 1 do artigo 77.º). Mas esta liberdade representa apenas um instrumento ou um complemento do interesse público primacial visado pela concessão da licença de saída – a reintegração social do recluso –, já que a intenção normativa não é proteger dire- tamente a liberdade do recluso, de que se encontra privado por força da sentença condenatória, mas antes proporcionar o restabelecimento de relações com a sociedade de forma geral e progressiva. A proteção que neste caso é concedida ao bem jurídico da liberdade (por uns dias) é apenas um reflexo do cumprimento pela administração penitenciária ou pelo juiz dos preceitos jurídicos que regulam as licenças de saída do estabele- cimento prisional, estabelecidos em primeira linha para a recuperação social do recluso. Por isso, as licenças de saída não são um direito subjetivo de que o recluso possa ser, à partida, titular perante a administração penitenciária. O modo como as saídas do estabelecimento prisional foram reguladas na lei não permite sequer cate- gorizá-las como um direito condicionado (ou um direito comprimido) do recluso. Dos artigos 76.º, n.º 1, 78.º e 79.º, n.º 2, do CEPMPL resulta que as saídas do estabelecimento «podem» ser concedidas verificados certos pressupostos, mas que só o «devem» ser em função da evolução da execução da pena, do ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar, das necessidades de proteção da vítima e das circunstân- cias do caso concreto. Como refere Eduardo Correia, o preenchimento dos requisitos estabelecidos na lei «enquanto revestem o caráter de meras indicações negativas não podem bastar – nem obrigar – à concessão daquelas medidas. Para isso – aliás só desse modo correspondendo por inteiro à finalidade da execução – requere-se uma adequação e conveniência na sua aplicação, tendo em conta o progresso e o desenvolvimento do processo de tratamento, o que, de resto, só vem favorecer a sua consideração como um bom elemento de tratamento e não como um favor, cuja negação pudesse ser entendida como sanção disciplinar» [cfr. Direito Criminal – III (1), Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de Coimbra,

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