TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

406 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1980, pp. 149 e 150]. O facto das licenças de saída não decorrer automaticamente da verificação dos pressu- postos enunciados nos artigos 78.º e 79.º, exigindo sempre um juízo de avaliação da situação pessoal, social e familiar do recluso e um juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro, aponta para a negação de um direito originário à saída do estabelecimento. Tal direito só decorre duma autorização constitutiva que fixe as condições em que pode ser exercido. Não é por mero acaso que o enunciado linguístico utilizado para explicar a posição jurídica substantiva do recluso no regime de saídas é a «licença» e não a «autorização». No direito administrativo, a autorização distingue-se da licença por ser um ato pelo qual se permite a alguém o exercício de um direito ou de uma competência preexistente, enquanto a licença é um ato pelo qual se atribui a alguém o direito de exercer uma atividade que é por lei relativamente proibida (cfr. Rogério Soares, Direito Administrativo , Coimbra, 1978, pp. 116 a 119). Ora, a adoção de um «regime preventivo» em matéria de saídas do estabelecimento, como o que resulta do CEPMPL, impõe que a intervenção prévia do juiz de execução das penas ou da administração peniten- ciária tenha que assumir a forma de «licença», por ser essa a técnica de regulamentação que melhor se adequa a «um certo grau de discricionariedade, visto que se torna mais difícil definir em abstrato todas as hipóteses em que o exercício do direito é ou não em concreto socialmente nocivo» (cfr., Os Direito Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª edição, p. 330). De facto, os pressupostos da concessão da licença de saída acima referidos concedem ao juiz ou à administração penitenciária uma ampla margem de liberdade que permite adequar a saída do estabelecimento à finalidade primária de socialização, sem desconsiderar as exigências mínimas de defesa da sociedade. Esse grau de discricionariedade explica que a licença de saída não seja um direito originário do recluso, mas apenas uma medida individual de reinserção social a obter de uma forma progressiva. 9. A liberdade que a administração penitenciária e o juiz de execução das penas detêm na apreciação dos pressupostos e na configuração do conteúdo das licenças de saída não significa, porém, que a relação do recluso com a administração penitenciária constitua uma espécie de «relação especial de poder» que o colo- que num estado de sujeição impeditivo de invocar direitos e garantias. É verdade que o recluso se encontra numa situação especial geradora de mais deveres e obrigações do que aqueles que resultam para os cidadãos em geral. Mas esse estatuto especial não está desvinculado da lei e da Constituição. Não constitui hoje fonte de dúvida que «abandonada a teoria clássica que situava certas relações de vida – designadamente, e pelo que aqui nos interessa, no que se refere aos reclusos – no domínio do «não-direito» e (ou) rejeitada a tese de que os cidadãos que são regidos por estatutos especiais renunciam aos direitos fundamentais ou ficam numa situação de sujeição que implica uma qualquer capitis deminutio, surge definitivamente delineada no horizonte jurídico a unanimidade de posições que vêm o recluso como sujeito de direitos, mantendo relações jurídicas – de onde emergem direitos e deveres – com a administração» (cfr. Anabela Rodrigues, A Posição Jurídica do Recluso Na Execução da Pena Privativa de Liberdade , Coimbra, 1982, p. 170). Tanto assim é, que a relação presidiária é hoje disciplinada por um estatuto específico – o CEPMPL – que contém um catálogo de direitos que não pode ser restringido ou suprimido ao livre arbítrio da admi- nistração penitenciária.   Ora, estando tal relação subordinada ao princípio da legalidade, a concessão de poderes discricionários à administração penitenciária já não pode significar a aceitação de um espaço de decisão arbitrário, pois a discricionariedade é uma concessão legal que está sujeita a princípios jurídico-constitucionais limitadores da sua atuação (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP). 10. Apesar da incontornável limitação do direito fundamental à liberdade, o estatuto jurídico do recluso não se situa fora da esfera constitucional.

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