TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

407 acórdão n.º 752/14 O artigo 30.º, n.º 5, da CRP, introduzido pela revisão constitucional de 1989, determina que «os con- denados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução». Decorre desta norma que, à partida, o recluso é um cidadão que mantém todos os direitos fundamentais que são reconhecidos aos demais cidadãos. Mas a situação especial em que se encontra justifica restrições de direitos que são inerentes à própria pena de prisão, como é o caso da privação da liberdade ou de deslocação, ou que se justificam pela própria execução da pena, como acontece com os limites à liberdade de reunião, manifestação, correspondência, contactos com o exterior, etc. No fundo, o que se visa com esta norma é «dar relevo ao estatuto do recluso, subordinando a restri- ção dos direitos fundamentais daquele que se encontra privado de liberdade a um conjunto de pressupos- tos, negando assim constitucionalmente qualquer possibilidade de conceber a posição jurídica do recluso segundo a figura da “relação especial de poder” (cfr. Damião da Cunha, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, p. 690). De modo que a restrição de direitos fundamentais do recluso tem que ser realizada por via legislativa e obedecer às demais regras e princípios de limitação de direitos estabelecidas no artigo 18.º da Constituição: não pode afetar o conteúdo essencial dos direitos, deixando intocado o limite absoluto constituído pela dig- nidade humana; e ter em conta os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, só sendo legítimo sacrificar ou limitar direitos fundamentais se (e só na medida) em que for indispensável à realização dos fins em nome dos quais foi jurídico-constitucionalmente credenciado o estatuto especial do recluso. 11. O princípio geral de que o recluso mantém todos os direitos fundamentais, salvo as limitações ine- rentes à própria pena de prisão e às exigências da própria execução da pena, pressupõe também a manutenção dos mecanismos que a Constituição prevê para a proteção e tutela desses direitos e demais posições jurídicas subjetivas.  É que a afirmação dos direitos fundamentais e do princípio da legalidade na execução supõe que os reclusos se possam dirigir a órgãos jurisdicionais para reagirem contra eventuais violações dos direitos que lhe são reconhecidos pela Constituição e pela lei. O facto da norma do n.º 5 do artigo 30.º da Constituição não se referir expressamente à tutela jurisdicional efetiva «em caso algum deve ser entendida como restritiva para efeitos de proteção ou de tutela judicial; antes tal tutela estará sempre pressuposta em todo o seu conteúdo» (cfr. Damião da Cunha, ob. cit. p. 691). Como acima se referiu, o sentido atual da jurisdicionalização da execução das penas e medidas de segu- rança privativas da liberdade – através da intervenção do tribunal de execução das penas – é o de «garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais» (artigo 115.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto). A garantia de acesso ao tribunal para defesa de direitos fundamentais e direi- tos penitenciários constitui pois um dos principais meios de defesa dos reclusos – uma garantia que ela própria é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artigo 20.º da CRP). E relativamente aos atos da administração penitenciária lesivos dos direitos e interesses legalmente pro- tegidos dos reclusos, a tutela jurisdicional efetiva prevista no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição para os administrados também de deve estender aos reclusos, já que o «recluso, pelo simples facto de o ser, não perde a sua posição de administrado, mantendo-a, em princípio, com um “âmbito normativo idêntico ao dos outros cidadãos”» (cfr. Acórdão n.º 20/12). 12. No presente recurso, não está em causa a legalidade da decisão que negou ao recorrente a licença de saída jurisdicional, nem a garantia da via judiciária, já que a decisão foi tomada pelo tribunal de execução das penas. O que se questiona é o duplo grau de jurisdição, possibilidade negada pelo despacho recorrido, e o princípio da “igualdade de armas” entre o recluso e o Ministério Público no processo de licença de saída

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