TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

408 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurisdicional, quanto ao exercício do direito ao recurso, que a decisão recorrida também considerou não estar afetado pela norma impugnada. Em relação à primeira questão de inconstitucionalidade, o recorrente argumenta que a norma impug- nada – o n.º 2 do artigo 196.º do CEPMPL – viola o direito ao recurso estabelecido no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, porque esta norma assegura a todos o direito de defesa, incluindo o recurso, sem distinguir se o “arguido” está recluso ou em liberdade. Por conseguinte, o problema jurídico-constitucional que se coloca consiste em determinar se os princí- pios da «constituição processual criminal» enunciados no artigo 32.º da CRP, designadamente o da existên- cia de um duplo grau de jurisdição, se aplicam e em que medida aos processos de execução das penas. O que se prescreve no n.º 1 do artigo 32.º é que o «processo criminal» assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. A expressão «incluindo o recurso» foi acrescentada pela Revisão de 1997, seguindo-se o entendimento da jurisprudência constitucional anterior no sentido de que uma das garantias de defesa é, justamente, o direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias – o que vale por dizer que, no domínio processual penal, há que reconhecer, como princípio, o direito a um duplo grau de jurisdição (cfr. Acórdãos n. os  8/87, 124/90, 132/92, 322/93, 265/94, 610/96). Como os princípios materiais condensados no artigo 32.º são literalmente dirigidos ao «processo crimi- nal», a sua aplicação às formas de processo da competência dos tribunais de execução das penas, tipificadas no artigo 155.º do CEPMPL, depende, desde logo, de se conhecer se as normas reguladoras desses esquemas processuais constituem matéria que cabe intrinsecamente ao direito processual penal. Numa época em que o controlo jurisdicional da execução das penas privativas da liberdade não inter- feria na vida interna das prisões, pertencendo a execução quase em exclusivo à administração penitenciária, Castanheira Neves dizia que fora do processo criminal ficava o direito penitenciário, «pois se por ele se executam as medidas decretadas no processo criminal (neste sentido ele é o “processo executivo” deste), a sua índole é, no entanto, inteiramente administrativa» (cfr. Sumários de Processo Criminal (1967-1968), Datilografado por João Abrantes). Esta conceção foi porém ultrapassada a partir do momento em que o tribunal de execução das penas passou a ter funções de garantia da posição jurídica do recluso, com a jurisdicionalização de importantes domínios da matéria relativa à modelação da execução da pena. A execução das penas passou a ser uma atividade de índole judicial e jurisdicional, que se realiza de forma processualizada. A variedade das formas do processo fixadas no CEPMPL constituem instrumentos que determinados órgãos estaduais judiciais – os tribunais de execução das penas – utilizam tendo em vista a atuação de determinado direito objetivo e/ou de certas pretensões de interesses dos reclusos. O facto da execução das sanções penais privativas da liberdade se poder realizar através de um processo judicial poderá ser um incentivo a que se considere a regulamentação desse processo uma matéria que faz parte do processo penal, designadamente da “fase processual executiva” em que se procede à concreta exe- cução da pena decretada na fase declarativa do processo penal. É aliás «uma evidência que o momento exe- cutivo desempenha um papel extraordinariamente relevante na prossecução dos fins ou metas do processo penal considerado no seu conjunto. Não é lícito avaliá-lo como uma espécie de compartimento estanque, pouco sensível à filosofia que impregna todo o ideário processual como realização dos fins últimos do sistema penal» (cfr. Lopes Rocha, “A execução das penas e medidas de segurança privativas das liberdade”, in O Novo Código de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1988, p. 477).    Só que, determinando-se a forma jurídica por referência à pretensão de interesses atuada no processo, logo se vê que o direito objetivo e/ou os direitos subjetivos que se pretendem valer nas diversas formas pro- cessuais reguladas no CEPMPL não correspondem à realização do direito penal substantivo. Não há dúvida que o processo penal, como instrumento de realização do direito penal substantivo, atra- vés da investigação e valoração do comportamento do acusado da prática de um facto criminoso, também

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