TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

409 acórdão n.º 752/14 abrange uma “fase de execução” ligada ao efeito executivo da sentença, que está regulada no Código de Pro- cesso Penal (artigos 467.º e segs.) e que pertence, inequivocamente, ao processo criminal. Mas, aquelas formas processuais são meios que estão ao serviço de soluções que decorrem de uma regu- lamentação jurídico-substantiva que verdadeiramente não se enquadra no direito penal substantivo. Assim acontece porque o direito de execução das penas (o chamado «direito penitenciário») tem uma dupla natu- reza, compreendendo normas de direito substantivo e normas de direito processual de execução das penas. Como escreve Figueiredo Dias, «exata nos parece ser a distinção, dentro do direito de execução das penas, da regulamentação diretamente atinente à determinação prática do conteúdo da sentença condenatória e, portanto, à realização concreta da reação criminal naquela imposta: aqui tratar-se-á de matéria substantiva; e da regulamentação imediatamente respeitante ao efeito executivo da sentença (num sentido análogo àquele em que, no processo civil, se fala em «exequibilidade da sentença») e, portanto, aos preliminares e ao con- trolo geral da execução (neste compreendidos os chamados «incidentes da execução»: aqui estaremos perante matéria processual, que cabe intrinsecamente ao direito processual penal e que só por razões meramente técnicas dele pode ser distraída» (cfr. Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 37). Ora, a tutela dos interesses protegidos pelas normas jurídico-substantivas do direito penitenciário tem que ser realizada através de formas processuais que exprimam essa realidade material. Tais interesses, alguns substantivados em posições jurídico subjetivas dos reclusos, já não respeitam à investigação e valoração do comportamento do acusado da prática de um crime, mas à execução concreta de uma pena privativa da liberdade decretada num processo penal que praticamente terminou com o trânsito em julgado da sentença condenatória. A regulamentação jurídica da execução da pena pondera valores e interesses específicos que a distinguem do direito penal substantivo e que condicionam o tipo de processo que os realizem.  Como vimos, o reconhecimento de que o recluso é um «sujeito» da execução, titular de direitos e interesses legítimos supõe também que essa posição jurídica seja protegida através do recurso aos tribunais. A diversidade de formas processuais que dão realização efetiva a essa posição jurídica e que permitem o con- trolo jurisdicional das medidas de execução que possam afetar diretamente os direitos do recluso, formam o direito processual penitenciário, um direito composto por normas que são produto da exigência teleológica e funcional de adequação às especificidades do direito de execução das penas, e por conseguinte, um direito que tem autonomia relativamente ao direito processual penal. 13. O conteúdo significante dos princípios constitucionais enumerados no artigo 32.º da CRP reporta- -se ao processo penal e não ao processo penitenciário: são «garantias do processo criminal» destinadas a asse- gurar ao «arguido» uma ampla e efetiva defesa contra a acusação que lhe é movida. De facto, os princípios da presunção de inocência do arguido, da judicialização da instrução, da acusação, do contraditório, do juiz natural, da obrigatoriedade de julgamento no mais curto prazo, da escolha e assistência de defensor, da intervenção do ofendido no processo, são princípios jurídico-constitucionais destinados a conformar a “fase declarativa” do processo penal. A mesma exigência não se faz sentir em processos que não visam a aplicação de sanções, porque aí não há necessidade do processo ser estruturado com todas as garantias de defesa contra as imputações que são feitas ao infrator. O que a Constituição proíbe em absoluto é que seja aplicado qualquer tipo de sanção sem que ao infrator seja dada a possibilidade de se defender. Ora, os processos que não têm natureza sancionatória, que não obedecem a um modelo acusatório, não precisam de ser organizados com os direitos e instrumentos adequados a contrariar uma acusação. Se a defesa pressupõe uma prévia acusação, é óbvio que não havendo imputação ou acusação não há necessidade de estruturar o processo como garantias de defesa contra o que não existe. Assim, um processo de reconhe- cimento de direitos ou um processo impugnatório de atos administrativos, sem deixarem de ser «processos equitativos» (cfr. n.º 4 do artigo 20.º da CRP), não precisam de ser modelados com os todos meios de defesa que a Constituição exige para um processo sancionatório.

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