TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No que respeita à garantia do duplo grau de jurisdição previsto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP para o processo criminal, nem sequer é inteiramente líquido que ele se aplique a todas as fases do processo penal ou a todos os processos sancionatórios. Desde há muito que o Tribunal Constitucional identifica reiteradamente o conteúdo do direito ao recurso com o duplo grau de jurisdição apenas “quanto a decisões penais conde- natórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais” (cfr. Acórdãos n. os 31/87, 178/88, 340/90, 401/91, 132/92, 322/93, 265/94, 610/96, 189/01, 464/03). Por conseguinte, se não for atingido o núcleo essencial do direito de defesa, não são constitucionalmente ilegítimas restrições ao direito ao recurso de decisões não condenatórios ( v. g. decisões interlocutórias) ou que não afetem a liberdade ou outros direitos fundamentais.  E no que se refere aos demais processos sancionatórios, como os de contraordenação, considera-se que a norma do n.º 10 do artigo 32.º não tem o alcance de conferir a garantia de um segundo grau de jurisdição, limitando-se apenas a assegurar ao arguido o direito de audição prévia e o direito de defesa contra as impu- tações que lhe são feitas (cfr. Acórdãos n. os 77/05, 659/06, 632/09, 6/13 e 612/14).  14. O direito ao recurso de decisões judiciais relativas à concreta execução da pena privativa da liberdade já foi apreciado pelo Tribunal Constitucional em matérias que têm algum paralelismo com o caso dos autos. Na vigência do Decreto-Lei n.º 783/76, de 20 de outubro, foi sujeito ao escrutínio de constitucionali- dade a norma do artigo 127.º desse diploma no segmento que não admitia o recurso da decisão de negação da liberdade condicional. Antes da revisão constitucional de 1997, o Tribunal pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade desta norma, com fundamento em que o direito ao recurso não é absoluto, mesmo em matéria penal (Acórdão n.º 321/93). Após a autonomização do direito ao recurso no âmbito das garantias de defesa em processo criminal, operada pela alteração efetuada ao n.º 1 do artigo 32.º, a mesma norma foi julgada inconstitucional com um duplo fundamento: (i) as decisões judiciais sobre a liberdade condicional podem ser reconduzidas “ao figurino normal das decisões em matéria penal”, porque as normas que regulam os seus pressupostos “fazem parte integrante do direito processual penal”; (ii) independente- mente da subsunção dos processos de execução das penas à noção de “processo criminal”, a decisão que nega a liberdade condicional, “por ter como efeito a manutenção da privação da liberdade, tem uma indiscutível conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias”, domínio em que está assegurado o duplo grau de jurisdição.      E no âmbito do atual CEPMPL, o Tribunal julgou não ser desconforme com o texto constitucional a norma do n.º 1 do artigo 179.º «na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, designadamente no caso de indefe- rimento». Depois de se concluir «que a “adaptação à liberdade condicional” não corresponde à “liberdade condicional”, nem é enformada por qualquer alteração do conteúdo da sentença condenatória, antes inte- grando, ainda, um modo de cumprimento da pena privativa de liberdade ínsita na decisão condenatória», julgou-se que o direito ao recurso consagrado na norma do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição não pode ser convocado, porque, «não obstante a maior judicialização que o novo CEPMPL veio trazer ao Processo de Execução de Penas, não estamos perante um processo criminal como nela se prevê»; e também se considerou que não há violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, porque «o recorrente teve acesso ao direito e ao tribunal, desde logo, na medida em que a decisão de que se pretendia ver interposto o recurso, tendo sido proferida por Juiz do Tribunal de Execução de Penas, tem natureza judicial» (Acórdão n.º 150/13). 15. Não obstante conformada pela mesma intenção político-criminal em que se baseia a liberdade condicional – a socialização do recluso – a concessão de licença de saída jurisdicional não é uma medida comparável à concessão de liberdade condicional. Desde logo, porque, enquanto esta representa o fim da pena de prisão, a devolução do condenado à liberdade, embora com sujeição a condição resolutiva, a concessão de licença de saída jurisdicional não

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