TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

411 acórdão n.º 752/14 representa o fim da prisão, uma vez que, findo o prazo pelo qual foi concedida, o condenado regressa ao esta- belecimento prisional. A liberdade condicional, ainda que não seja definitiva, extingue a relação presidiária e o estatuto do recluso; a licença de saída jurisdicional, apesar da interromper a detenção, mantém o vínculo prisional através do dever de regressar ao estabelecimento prisional e do cumprimento das condições fixadas na licença. A liberdade condicional é uma medida tomada na última fase da execução da pena de prisão que visa a libertação antecipada do condenado; já a licença de saída jurisdicional é uma medida individual de reinserção social tomada na fase intermédia da execução que visa a manutenção e promoção de laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade. A concessão da liberdade condicional não é um poder discricionário do juiz, mas «um poder-dever, de um poder vinculado à verificação da totalidade dos pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão» (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit. p. 854); já a concessão de licença de saída jurisdicional é um poder que se exerce num espaço em que a margem de discricionariedade é mais ampla e mais visível. Não surpreende pois que a liberdade condicional, configurada como um incidente ou uma medida de execução da sanção privativa da liberdade, com pressupostos definidos no Código Penal (artigos 61.º a 64.º) e regime processual inserido no Código de Processo Penal (artigos 484.º a 486.º, revogados pelo atual CEPMPL), pudesse assumir natureza processual penal, para efeitos do direito ao reexame, em via de recurso, da decisão denegatória. Estando em causa a liberdade antecipada do recluso, que interfere com o tempo de pena fixado na sentença condenatória, a negação do direito ao recurso traduzir-se-ia num “encurtamento inadmissível das garantias de defesa do recorrente”, uma violação do n.º 1 do artigo 32.º da CRP, como se julgou no Acórdão n.º 638/06. Com aquela natureza, a doutrina até discute se a competência para colocar o recluso em liberdade condicional se deve manter nos tribunais de execução das penas ou passar a ser do tribunal da condenação [cfr. Anabela Rodrigues, Novo Olhar (…) ob. cit. p. 136, nota 18]. Diferentemente, a concessão da licença de saída jurisdicional, ainda que tenha por efeito a devolução do recluso à liberdade por alguns dias, representa apenas uma etapa intermédia de um processo progressivo de preparação para a liberdade antecipada, que pode ser concedida verificados certos pressupostos, mas que só deve ser concedida em função das exigências e evolução do tratamento penitenciário. A par de outras medidas estabelecidas no CEPMLP, como a colocação do recluso em regime aberto no exterior (artigo 14.º), as licenças administrativas (artigos 80.º e 81.º), a concessão de adaptação à liberdade condicional (artigo 188.º), a licença de saída jurisdicional representa um “período de confiança” que dá exequibilidade ao obje- tivo de reinserção do recluso na sociedade, de modo a «favorecer a aproximação progressiva ao mundo livre» (cfr. n.º 3 do artigo 5.º). No decurso da licença de saída, o recluso não se assume, jurídica e materialmente, com liberdade ante- cipada. Juridicamente, o recluso mantém integralmente o seu estatuto, sendo o período de saída considerado tempo de execução da pena. Materialmente, as condições sociais e familiares em que se vai inserir são neces- sariamente consideradas na concessão da licença e o resultado obtido é um elemento relevante na evolução posterior do tratamento prisional; no período de saída o recluso deve ser portador de elementos suscetíveis de fornecer dados sobre a sua situação e no termo da licença são recolhidos elementos que permitam confirmar o cumprimento das condições a que foi sujeito (cfr. n. os 5 e 7 do artigo 138.º do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de abril). Não havendo comparação com a liberdade condicional, o argumento de que o atual CEPMPL reme- diou a inconstitucionalidade, ao prever no artigo 179.º a recorribilidade da decisão que recusa a liberdade condicional, não pode ser invocado para sustentar a inconstitucionalidade da irrecorribilidade da decisão que recusa a licença de saída jurisdicional. Esta licença não acaba com o estado detentivo do recluso, como acontece com a liberdade condicional, trata-se apenas de uma especial modalidade de execução, uma fase normativamente delimitada do tratamento prisional, que é atuada através de um processo penitenciário que em primeira linha está ao serviço da execução da pena privativa da liberdade. Com esta natureza, não cai no âmbito normativo do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

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