TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

412 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 16. Não garantindo a Lei Fundamental, no referido artigo 32.º, a faculdade de se recorrer da decisão denegatória da licença de saída jurisdicional, o duplo grau de jurisdição ainda poderia ser sustentado no princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, enunciado no n.º 1 do artigo 20.º De facto, pelo disposto no n.º 5 do artigo 30.º da CRP, os condenados a pena privativa da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução. E de modo algum a restrição do direito fundamental de acesso aos tribunais constitui uma limitação inerente ao sentido da condenação ou uma limitação que se justifique pela própria execução da pena. Os reclusos mantêm a garantia da via judiciária com um âmbito normativo idêntico aos outros cidadãos, o que implica a existência de uma proteção judicial plena, integral, efetiva e sem lacunas. Como refere Anabela Rodrigues, a «garantia constitucional do direito de acesso ao direito e dos direitos conexos (direito de acesso aos tribunais, direito à informação e consulta jurídica e direito ao patro- cínio judiciário), contida no artigo 20.º da Constituição, tem particular relevância no âmbito da execução da pena de prisão, onde os direitos fundamentais do recluso estão inevitavelmente submetidos a uma tensão forte e contínua» (cfr. “Da «afirmação de direitos» à «proteção de direitos» dos reclusos: a jurisdicionalização da execução da pena de prisão”, in Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, FDUCP, p.195). Simplesmente, como a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva (e não formal) se pode analisar em várias dimensões, nem todas elas constituem concretizações ou manifestações integradas no seu núcleo essen- cial, insuscetível de ser afetado. Assim acontece com a garantia do duplo grau de jurisdição, que não é abrangida em todos os casos pelo direito de acesso aos tribunais. A jurisprudência firme do Tribunal Constitucional é no sentido de que não está consagrada uma garan- tia constitucional do duplo grau de jurisdição como princípio geral, válido para todos os processos. Consi- dera-se que a Constituição garante o acesso aos tribunais para defesa de direitos, mas que tal garantia não abrange a obrigatoriedade da existência, para todas as decisões, de um duplo grau de jurisdição: «o duplo grau de jurisdição em matéria não penal não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos. Com efeito, da Constitui- ção apenas se deduz uma garantia contra violações radicais pelo legislador ordinário do sistema de recursos instituído e da igualdade dos cidadãos na sua utilização. Nessa medida, caberá à lei infraconstitucional defi- nir o acesso aos sucessivos graus de jurisdição, segundo critérios objetivos, ancorados numa ideia de propor- cionalidade (relevância das causas, natureza das questões) e que respeitem o princípio da igualdade, tratando de forma igual o que é idêntico e de forma desigual o que é distinto»» (cfr. Acórdão n.º 125/98, mas também Acórdãos n. os 65/88, 202/90, 27/95, 225/05 e 106/06). Assim, fora de domínios específicos, como as decisões condenatórias em processo penal e as decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos fundamentais, o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao recurso, podendo limitar ou restringir as decisões que admitem recurso em função de determinados fatores, como a natureza do processo, o tipo e objetivo das ações, a rele- vância das causas e a importância das questões, tendo em vista a racionalização do sistema judiciário.  O que está garantido no artigo 20.º da CRP é que o legislador assegure a «todos» os cidadãos o acesso a um grau de jurisdição e que, sempre que estabeleça vários graus de jurisdição, que garanta igualmente a todos, sem discriminação de natureza económica ou outra, o acesso a esses graus. Nesta dimensão normativa, reafirma-se o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º da CRP, pelo que as limitações ou restrições ao direito ao recurso não podem estabelecer diferenciações arbitrárias, sem fundamento mate- rial justificativo. Ora, a intervenção judicial na concessão da licença de saída do estabelecimento prisional representa já o acesso do recluso a um grau de jurisdição, ou seja, à tutela jurisdicional mínima que é coberta pelo n.º 1 do artigo 20.º da CRP. Não sendo a licença de saída um direito fundamental do recluso, mas apenas uma medida individual de reinserção social, o legislador não está vinculado a garantir que decisão judicial que a conceda ou negue tenha que ser reapreciada por um tribunal de segunda instância. Se o legislador não

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