TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

413 acórdão n.º 752/14 sujeitar essa decisão a recurso, isso significa que um processo penitenciário jurisdicional, decidido em pri- meira instância por órgão dotado de independência e imparcialidade, constitui um meio bastante para garan- tir a legalidade da decisão que concede ou negue a licença de saída jurisdicional (cfr. artigo 203.º da CRP). Tem, pois, de concluir-se que, nesta dimensão normativa do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, a garantia do duplo grau de jurisdição de decisão judicial relativas a licenças de saída jurisdicionais não goza de uma proteção constitucional. 17. Apesar disso, o legislador previu no artigo 196.º do CEPMPL a possibilidade de recurso para a Relação da decisão que concede, recuse ou revogue a licença de saída. Mas, se o processo de concessão de licença jurisdicional comporta o duplo grau de jurisdição, o âmbito da legitimidade para recorrer foi diferenciado em função do sujeito que interpõe o recurso: enquanto o recluso apenas pode recorrer da decisão que revoga a licença, o Ministério Público pode interpor recurso da decisão que concede, nega ou revogue a licença. Como referimos, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva convoca também o princípio da igualdade. Se o legislador abrir a via judiciária sucessiva, o n.º 1 do artigo 20.º da CRP postula que tal via seja consentida a todos os sujeitos processuais, sem discriminações que não tenham fundamento razoável. Por isso, não estando em causa as discriminações suspeitas enunciados no n.º 2 do artigo 13.º da CRP, aquela diferenciação só não violará o direito à tutela jurisdicional efetiva se houver razões atendíveis – e não meramente arbitrárias – para a solução gizada pelo legislador. Uma das linhas argumentativas do recorrente está centrada no facto do recluso estar impedido de recor- rer de uma decisão que nega a licença de saída jurisdicional, afetando-o pessoalmente, quando o Ministério Público, que não está recluído nem privado do seu direito à liberdade, pode, de forma mais abrangente, recorrer da decisão que “conceda, recuse ou revogue”. Tal diferenciação constitui, no seu entender, uma “clara desigualdade de armas” entre o recluso e o Ministério Público. Importa, pois, averiguar se a diferença estabelecida no artigo 196.º do CEPMPL quanto à legitimidade para a interposição do recurso jurisdicional da decisão que recusa a licença de saída jurisdicional consegue resistir ao crivo do princípio da igualdade. A igualdade processual, enquanto emanação da tutela jurisdicional, representa uma exigência substan- cial que é dirigida ao legislador ordinário na concreta conformação do processo. Impõe-se que os atos e for- malidades que compõem o processo devam ser ordenados em termos de proporcionar aos interessados uma paridade de condições no quadro dialético em que ele se desenvolve. A equiparação das partes no processo constitui pois uma das várias dimensões da garantia do «processo equitativo» (cfr. n.º 4 do artigo 20.º), que vincula o legislador a estruturar o processo em termos de igualdade quanto a direitos e deveres (poderes e ónus) que são atribuídos e/ou impostos a cada uma das partes. Mas a variabilidade de fatores que influem na forma do processo ( v. g. tipo de providência, valor dos interesse em jogo, natureza da relação material que serve de base à pretensão, natureza subjetiva das partes) pode consentir diferenciações quanto à disponibilidade de meios processuais que não envolvem uma com- pressão excessiva do princípio da igualdade. A reclamada igualdade de armas processuais não exige que as partes sejam colocadas numa paridade absoluta de meios, mas apenas que lhes sejam atribuídos direitos ou impostos deveres processuais idênticos, sempre que a sua posição no processo seja equiparável. Se o processo não necessita de ser estruturado segundo uma relação dialética ou se os interessados não se encontram jurí- dica e facticamente ao mesmo nível, quer quanto ao modo de exporem as suas razões, quer quanto às con- sequências que se podem extrair do modo como são expostas, torna-se desnecessário conformar o processo com idênticos meios de intervenção processual. Uma concreta conformação processual só violará o princípio da igualdade se os meios processuais atribuídos a intervenientes colocados numa posição jurídica equiparável causarem um desequilíbrio arbitrário, irrazoável ou infundado. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido assimetrias processuais que não envol- vem violação do princípio de igualdade, por se justificarem à luz das finalidades servidas pelo processo e

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