TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

414 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da diferente posição jurídica dos intervenientes. No processo penal, justamente a propósito do direito ao recurso, considera-se que «independentemente da natureza de «parte» ou de «sujeito» que se queira atribuir ao arguido e ao assistente em processo penal, a nossa Constituição não consagra, nem quis consagrar, quanto a eles, um princípio de igualdade em matéria do direito ao recurso» (cfr. Acórdão n.º 132/92, posição também seguida nos Acórdãos n. os 265/94, 610/96, 194/00 e 640/04). E no processo civil, a propósito da posição processual do Ministério Público, enquanto representante do Estado e defensor da legalidade democrática, considera-se razoável que o legislador estabeleça normas que lhe concedam um tratamento processual dife- renciado relativamente às partes processuais em geral (cfr. Acórdãos n. os 529/94, 616/98, 632/99, 355/01). 18. O processo de licença de saída jurisdicional, tal como está desenhado nos artigos 189.º a 193.º do CEPMPL, não é um processo destinado a prevenir ou a compor um conflito entre o recluso e a administra- ção prisional, pois o interesse atuado no processo é um só: a socialização do recluso. A forma desse processo não corresponde ao modelo de um «processo de partes», em que o interesse do recluso se confronta com interesses contrapostos da administração penitenciária. Mesmo a defesa da sociedade, que é uma das fina- lidades da execução das penas (n.º 1 do artigo 2.º do CEPMPL) não conflitua com aquele interesse. Mais concretamente, como escreve Anabela Rodrigues «a defesa da sociedade não tem o sentido de tarefa cometida à execução, antes deve ser tomada em consideração – como limite – no caso de decisões sobre medidas a tomar durante a execução que visem quer evitar a dessocialização quer promover a não dessocialização» [cfr. Novo Olhar (…), ob. cit. p. 63]. A ordenação dos atos e formalidades que compõem o processo de licença de saída jurisdicional evidencia ausência de reciprocidade dialética suscetível de provocar a intervenção do princípio da igualdade de armas. Tal como se prevê no CEPMPL, o processo inicia-se com um requerimento do recluso entregue na secretaria do estabelecimento prisional, que o remete ao tribunal instruído com o registo disciplinar e infor- mação sobre o regime de execução da pena, data do início, processos pendentes, medidas de coação impostas e eventual evasão (artigo 189.º); uma vez autuado, é concluso ao juiz para despacho liminar, que pode ser de indeferimento, caso não se verifiquem os requisitos previstos no artigo 79.º, ou de marcação da data para reunião do conselho técnico (artigo 190.º); o conselho técnico, presidido pelo juiz e com a participação do Ministério Público, emite um parecer sobre a concessão da licença de saída e as condições a que a mesma se sujeita (n.º 1 do artigo 191.º); se o juiz entender necessário, procede-se à audição do recluso, na presença do Ministério Público (n.º 2 do artigo 190.º); o Ministério Público, querendo, pode emitir um parecer (n.º 1 do artigo 192.º); e por fim, o juiz dita para a ata da reunião do conselho técnico a decisão sobre a concessão da licença requerida, a sua duração e as condições, e em caso de recusa, a fixação de um prazo inferior ao legal para a renovação do pedido (n. os 1 e 2 do artigo 192.º). Estes atos não introduzem uma função contraditória que tenha que ser arbitrada pelo juiz. O conselho técnico e o Ministério Público não figuram no processo com o «estatuto» de partes processuais, mas como autoridades públicas que emitem pareceres à roda do mesmo interesse servido pelo processo, que é o da readaptação ou reinserção social do recluso. A ausência de uma situação conflitual, que é pressuposto do exercício da função jurisdicional, tem levado mesmo alguma doutrina a defender que a concessão da licença de saída deveria ser da competência do Ministério Público, ficando a intervenção do tribunal reservada à resolução do conflito que eventualmente possa surgir com a decisão daquela entidade [cfr. Anabela Rodri- gues, Novo Olhar (…) ob. cit. , p. 138 e Da “afirmação de direitos” (...) ob. cit. p.191]. A intervenção do Ministério Público neste “processo gracioso”, como era designado na anterior legisla- ção, não ocorre no mesmo nível de intervenção do recluso. A posição processual do Ministério Público é de defesa da legalidade da execução da pena e não defender ou contradizer os interesses do recluso. Nos termos dos artigos 134.º e 141.º do CEPMLP, cabe-lhe acompanhar e verificar a legalidade da execução das penas e medidas privativas da liberdade. O Ministério Público é um órgão autónomo da administração da justiça

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