TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

415 acórdão n.º 752/14 que intervém no processo tendo em vista a descoberta da verdade e a realização da justiça, pautando a sua atuação por critérios de legalidade, objetividade e imparcialidade (cfr. Acórdão n.º 291/02).  É desta particular função constitucional de “defesa da legalidade democrática” (cfr. n.º 2 do artigo 219.º da CRP) que decorrem os poderes de participação no conselho técnico, de emissão de pareceres e de recurso da decisão judicial que concede, negue ou revogue a licença de saída jurisdicional. A legitimidade do Ministério Público para interpor recurso destas decisões, prevista no n.º 1 do artigo 196.º do CEPMPL, funda-se unicamente no facto de considerar que tal decisão é contrária à lei. Só por isso ele pode e deve recorrer e não em representação ou em defesa dos interesses do recluso, mesmo quando da sua atuação possa indiretamente resultar a satisfação desses interesses. A posição jurídica do Ministério Público nesta espécie de processos penitenciários, expressão da função de representante da legalidade e do cumprimento dos deveres funcionais que integram o essencial do seu Estatuto, justifica um tratamento diferenciado relativamente ao recluso, nomeadamente no que se refere à possibilidade de interposição do recurso das decisões que neguem a concessão de licença de saída jurisdicional. Como vimos, o interesse que serve de base material ao processo de concessão da licença de saída não consubstancia um direito subjetivo do recluso. Esse direito só entra na esfera jurídica do recluso com a decisão judicial que concede a saída do estabelecimento. Assim se compreende que, em caso de revogação da licença, lhe tenha sido atribuída legitimidade para recorrer da decisão revogatória. É que, neste caso, extingue-se o direito à licença, de que resulta o desconto, no cumprimento da pena, do tempo em que esteve em liberdade (cfr. n.º 4 do artigo 85.º do CEPMPL). Mas enquanto a licença não é atribuída, a pretensão do recluso dissolve-se numa forma de participação na modelação da execução e nas possibilidades de resso- cialização que a lei prevê. Ora, o princípio da igualdade processual impõe que se estabeleça um equilíbrio entre a posição jurí- dica de cada um dos intervenientes e os meios jurídicos colocados ao seu dispor. Tal equilíbrio tem que ser avaliado em função do conjunto de atos que compõem o processo e não em relação a cada um deles, pois a diferente natureza dos sujeitos pode implicar a necessidade de diferentes meios de intervenção processual. Assim, se a defesa da legalidade das medidas de execução da pena pode justificar, embora eventualmente não imponha, que um órgão de justiça interponha recurso da decisão judicial que nega a concessão da licença de saída, a mesma necessidade pode não se fazer sentir relativamente ao interveniente que, para além de não realizar um direito subjetivo, pode renovar a mesma pretensão num curto espaço de tempo. Num processo de natureza predominantemente objetiva, como é o caso do processo de concessão de licença de saída jurisdicional, há fundamento razoável para diferenciar os poderes do Ministério Público dos poderes do recluso quanto à legitimidade para recorrer da decisão judicial que nega a licença de saída. A decisão que nega a licença é sempre uma decisão não definitiva, que pode ser alterada no prazo de qua- tro meses ou num prazo inferior fixado pelo juiz (cfr. artigo 84.º e n.º 3 do artigo 192.º do CEPMPL). A provisoriedade da decisão justifica assim a existência de limitações à recorribilidade por parte de quem pode renovar o pedido. Com efeito, se no prazo de quatro (ou menos) meses o recluso pode renovar o pedido de licença de saída, a pendência do recurso jurisdicional não só prejudicaria a apreciação do novo pedido como poderia inutilizar o recurso, conforme fosse o sentido da decisão daquele pedido. Acresce que facilmente se descortina na limitação ao direito ao recurso prevista no n.º 2 do artigo 196.º do CEPML um mecanismo de racionalização da atividade judiciária, evitando o congestionamento dos tri- bunais de segunda instância com inúmeros processos de licença de saída jurisdicionais, atenta a possibilidade de renovação sucessiva do pedido. Em suma, também nesta perspetiva, e tal como já se decidiu no Acórdão n.º 560/14, a norma do n.º 2 do artigo 196.º do CEPMPL não enferma de inconstitucionalidade material.

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