TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

421 acórdão n.º 753/14 ónus da prova recairia sobre o contribuinte (nisto se distanciando do regime de aplicação da cláusula geral antiabuso). U) Não permitindo a ilisão da presunção de abuso, a medida adotada no n.º 7 do artigo 23.º do CIRC apresenta- -se como excessiva e consequentemente inconstitucional por consubstanciar uma restrição desproporcional do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real e em última instância do princípio da igualdade, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 104.º e artigo 18.º da CRP. V) Analisando o caso objeto dos presentes autos, o juízo de censura subjacente à criação do mecanismo previsto no número 7 do artigo 23.º do CIRC não é transponível para o caso em apreço porquanto: (i) a venda das ações próprias ocorreu no âmbito de uma aquisição potestativa das ações da recorrente; (ii) o preço praticado das ações próprias, correspondeu à oferta considerada adequada pelo mercado no âmbito da OPA e é a con- trapartida justa nos termos da lei, (iii) o momento em que a transmissão foi efetuado não é manipulável pelas partes, dado que depende do resultado de uma OPA lançada sobre cerca de 40% do capital da recorrente; W) Inexistindo, em concreto, quaisquer razões de prevenção à fraude e evasão fiscal, a aplicação automática de uma norma antiabuso redunda numa contração ilegítima do reconhecimento da perda verificada, pelo que a admitir-se a aplicação automática do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, tal resulta numa afronta frontal dos princípios constitucionais da tributação segundo o lucro real como corolário do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade; X) Face a estes factos, resulta de forma evidente (i) o tratamento desigual conferido à recorrente, em manifesta disrupção do princípio da tributação pelo lucro real enquanto princípio medida do princípio da igualdade tributária e a (ii) a total ausência de abuso que possa justificar a aplicação de uma tal norma restritiva desti- nada exatamente a combater um abuso. Y) Fica, assim, demonstrado que a norma não é a adequada para combater os fins a que se propõe, mas antes manifestamente excessiva e por isso inconstitucional, impondo um desvio ao princípio da tributação segundo o lucro real que não se encontra justificado pela proporcional prossecução de um interesse público superior. Z) Este entendimento encontra-se, igualmente, sup ortado no intenso labor jurisprudencial que tem sido desen- volvido pelo TJUE, relevante para o efeito, atenta a identidade de princípios aplicáveis. AA) Com efeito, conforme amplamente defendido pelo TJUE, as normas antiabuso apenas poderão ser admissí- veis na medida em que sejam adequadas a garantir a realização do objetivo que prosseguem e não ultrapassem o que é necessário para atingir esse objetivo (ver designadamente acórdãos de 15 de maio de 1997, Futura Participations & Singer, C-250/95, Colect., pp. 1-2471, n.º 26, e de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., pp. 1-4071, n.º 43). BB) Como bem defendeu o TJUE, o caráter abusivo de uma operação para efeitos de aplicação de uma disposição antiabuso não pode advir simplesmente da existência de relações especiais entre as partes envolvidas, a cons- tatação da existência de uma prática abusiva não resulta da natureza das transações comerciais normalmente efetuadas pelo autor das operações em causa, mas do objeto, da finalidade e dos efeitos dessas mesmas opera- ções. – cfr. Acórdão n.º C-103/09, de 22 de dezembro de 2010; CC) Constitui, assim, jurisprudência assente do TJUE que não poderão ser admitidas normas antiabuso automá- ticas, que assentem numa presunção inilidível de abuso, como a que se discute no presente processo. DD) Por fim, uma nota final para salientar que a jurisprudência deste Venerando Tribunal constante do acórdão 85/2010, de 3 de março em nada contradiz as conclusões da Requerentes, na medida em que as normas cons- tantes do n.º 3 do artigo 42.º e do n.º 7 do artigo 23.º são estruturalmente distintas, o que justifica diferentes juízos sobre a constitucionalidade dos preceitos em análise. EE) Com efeito, no caso do artigo 42.º do CIRC, estamos perante uma norma geral e abstrata aplicável à gene- ralidade dos contribuintes, sem que haja, como tal, a identificação de qualquer comportamento legalmente rotulado de potencialmente lesivo ou abusivo, pelo que se mostra legitimada a opção legislativa face ao prin- cípio da tributação segundo o lucro real. FF) Termos em que se conclui pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, na medida em que exclui a dedutibilidade da variação patrimonial negativa decorrente da alienação de ações

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