TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Neste contexto, a questão de constitucionalidade que a recorrente começa por colocar é a de saber se a desconsideração fiscal dos custos sem a possibilidade de contraprova, por parte do sujeito passivo, de que não existiu uma vantagem fiscal abusiva não viola desproporcionadamente o direito do contribuinte à tributação segundo o lucro real. 6. Não pode deixar de reconhecer-se que a dedutibilidade dos custos e perdas de uma sociedade, ainda que decorrentes da alienação de participações sociais, releva para a aplicação do princípio da tributação segundo o lucro real, na medida em que se trata de variações patrimoniais negativas que intervêm na forma- ção do lucro tributável. A norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, visando impedir a dedução dos custos para efeitos fiscais em caso de transmissão onerosa de participações sociais entre sociedades em relação de grupo, terá de ser enten- dida como uma cláusula antiabuso específica relativa à reestruturação das empresas agrupadas ou dos laços intersocietários e que se encontra vocacionada para combater situações de elisão e fraude fiscal que resultem do planeamento fiscal que é proporcionado «pela sua típica estrutura jurídica policêntrica e pela submissão dos respectivos componentes a uma estratégia empresarial única» (José Engrácia Antunes, “A Tributação dos Grupos de Sociedades”, in Fiscalidade, n.º 45, janeiro-março de 2011, p. 25). A recorrente invoca a restrição desproporcionada do direito do contribuinte à tributação segundo o lucro real, colocando a ênfase na vertente da necessidade ou exigibilidade da medida, por considerar que o mesmo fim poderia ser alcançado de modo igualmente eficaz através da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária ou por via dos mecanismos de correcção da matéria colectável aplicáveis aos preços de transferência (artigo 58.º do CIRC) e ainda porque a norma não permite ao contri- buinte a ilisão da presunção da existência de conduta abusiva. A argumentação tem pressuposta a ideia [expressa na alínea O) das conclusões do recurso] de que a cláusula antiabuso em apreço pretendeu combater as situações de abuso e fraude à lei quando os sujeitos passivos procediam à alienação de participações sociais por valores inferiores aos de mercado ou como forma de realizar uma perda que, de outra forma, se manteria latente e sem relevância fiscal. Mas o objetivo do legislador parece ter sido um outro. A norma não visa evitar a evasão fiscal em situações em que exista um risco de concertação de preços. Tem antes em vista evitar que a venda de partes de capital entre sociedades do grupo, de modo recíproco e sucessivo, permita imputar artificialmente às diversas empresas alienantes as perdas decorrentes de cada uma dessas operações. A norma tem pois como alvo a transação em si mesma, e não o preço praticado pelas partes, e serve para reprimir as operações de venda de participações sociais que são realizadas com uma finalidade exclusivamente fiscal, visando obter um custo dedutível. Daí que tivesse havido necessidade de instituir esse regime especial que não poderá ser consumido por outras disposições já existentes, como a relativa aos preços de transferência (artigo 58.º), que apenas visam permitir meras correções administrativas do valor das transações. Por outro lado, e por identidade de razão, não tem relevo a consideração de que o fim visado pelo legis- lador poderia ser obtido por meios menos onerosos para o contribuinte mediante o recurso à cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária. Esta norma permite considerar ineficazes, no âmbito tributário, os atos ou negócios jurídicos praticados com abuso de formas jurídicas e essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal dos tributos que seriam devidos em resultado de atos ou negócios equivalentes. Trata-se ainda de uma norma cuja aplicação está dependente da abertura de um procedimento próprio, regulado no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e que permite a apresentação de prova que o contribuinte entender pertinente (n.º 6). Sucede que o recurso a essa cláusula geral antiabuso, ainda que permitisse a contraprova por parte do sujeito passivo de que a operação foi realizada nas condições normais de mercado e de acordo com o valor de cotação das ações no mercado bolsista, não teria qualquer efeito prático, visto que – como se deixou exposto

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