TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

443 acórdão n.º 770/14 No fundo, o critério normativo aplicado corresponde ao atualmente vigente, isto é, à atual redação do artigo 824.º, n.º 2, do CPC, que determina o seguinte: «[…] 2 – A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.» Para boa decisão da causa, importa notar que a modificação da norma surge na sequência dos suces- sivos juízos de inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional foi proferindo até à declaração, com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da solução normativa anteriormente vigente, que constava daquele mesmo artigo 824.º do CPC. Por exemplo, logo no Acórdão n.º 318/99 se afirmou que: «[…] 5. – A solução da impenhorabilidade total das pensões da Segurança Social assentou, essencialmente na “preo- cupação de conferir uma garantia absoluta à perceção de um rendimento mínimo de subsistência. Tal solução é perfeitamente compatível […] com a nossa Constituição e o quadro de valores nela acolhidos, nomeadamente a defesa do bem estar e a qualidade de vida das classes sociais mais desfavorecidas, a proteção decorrente do esta- belecimento de um mínimo de subsistência (salário mínimo ou pensão previdencial sucedânea), a proteção nas situações de infortúnio ou de menor aptidão para conseguir os meios de subsistência a que todos têm direito.” Esta ideia, de que a pensão auferida por um beneficiário quer da segurança social quer da Caixa Geral de Apo- sentações, tendo em conta o seu montante reportado a um dado momento histórico, não pode deixar de cumprir “uma função inilidível de garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista” (cfr. Acórdão n.º 349/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º Vol., p. 507). O credor goza de um direito à satisfação do seu crédito, podendo chegar à realização executiva do crédito à custa do património do devedor, sendo tal direito, enquanto direito de conteúdo patrimonial, tutelado pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição (garantia da propriedade privada). O artigo 63.º da Constituição reconhece a todos os cidadãos um direito à segurança social que, nos termos do n.º 3, “protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”. Este preceito constitucional, como se escreveu no Acórdão n.º 349/91 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º Vol., p. 515) “poderá, desde logo, ser interpretado como garantindo a todo o cidadão a perceção de uma prestação proveniente do sistema de segurança social que lhe possibilite uma subsistência condigna em todas as situações de doença, velhice ou outras semelhantes. Mas ainda que não possa ver-se garantido no artigo 63.º da Lei Fundamental um direito a um mínimo de sobrevivência, é seguro que este direito há de extrair-se do princípio da dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1.º da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 232/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º Vol., p. 341). Pode, assim, configurar-se um conflito de direitos, entre o direito do credor à realização rápida do pagamento do seu crédito e o direito do devedor e pensionista da Segurança Social ou do Estado à perceção de uma pensão que lhe garanta o mínimo de subsistência condigna com a sua dignidade de pessoa. Existindo o referido conflito, o legislador não pode deixar de garantir a tutela do valor supremo da dignidade da pessoa humana – vetor axiológico estrutural da própria Constituição – sacrificando o direito do credor na parte que for absolutamente necessária – e que pode ir até à totalidade desse direito – por forma a não deixar que o pagamento ao credor decorra o aniquilamento da mera subsistência do devedor e pensionista.»

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