TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

445 acórdão n.º 770/14 DECLARAÇÃO DE VOTO O direito do credor à satisfação do seu crédito à custa do património do devedor, enquanto direito de conteúdo patrimonial, tutelado pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, encontra-se limitado pelo direito fundamental de qualquer pessoa a um mínimo de subsistência condigna, o qual se extrai do princípio da dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1.º da Constituição. Daí que a penhora de bens ou rendimentos do devedor para satisfação do direito do credor não possa privar aquele dos recursos que dispõe para viver com o mínimo de dignidade. Para superar as dificuldades da determinação do que é o mínimo necessário a uma subsistência con- digna, o Tribunal Constitucional, relativamente aos rendimentos auferidos periodicamente, impôs a impe- nhorabilidade das prestações periódicas, pagas a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, quando o executado não é titular de outros bens penhoráveis sufi- cientes para satisfazer a dívida exequenda (Acórdão n.º 177/02, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Aproveitou-se, assim, o facto do salário mínimo nacional conter em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do traba- lhador e por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos”, para utilizar esse valor, sujeito a atualizações, como aquele, a partir do qual, qualquer afetação porá em risco a subsistência condigna de quem vive de uma qualquer prestação periódica. No caso das pensões pagas mensalmente com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabili- dade tem que salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando estas têm um valor inferior ao do salário mínimo nacional. E o facto de, nos meses em que são pagos aqueles subsídios, a soma do valor da pensão mensal com o valor do subsídio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do direito dos credores, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular. Não é o momento em que são pagas que as torna ou não indispensáveis à subsistência condigna do execu- tado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite adquirir os meios necessários a essa subsistência. Aliás, quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o rece- bimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador. E se os rendimentos de prestações periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua subsistência, os sub- sídios de férias e de Natal não podem ser considerados outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais. Daí que tenha defendido que a interpretação sindicada deveria ser julgada inconstitucional por viola- ção do direito fundamental de qualquer pessoa a um mínimo de subsistência condigna, o qual se extrai do princípio da dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1.º da Constituição. – João Cura Mariano. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 6 de fevereiro de 2015. 2 – Os Acórdãos n. os 318/99 e 177/02 e stão pulicados em Acórdãos, 43.º e 52.º Vols., respetivamente.

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