TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

473 acórdão n.º 774/14 Não pode, pois, concluir-se que os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso em matéria penal impliquem que ao recorrente tivesse sido facultada oportunidade para aperfeiçoar, em termos subs- tanciais, a motivação do recurso deduzido quanto à matéria de facto, quando este não especificou as provas que impunham decisão diversa da recorrida, fazendo-o por referência aos suportes técnicos (e antes se limitando, como no caso, a respigar partes de depoimentos, impugnando genericamente, por “muitas dúvidas, confusão, genera- lidades diversas e pouca precisão, nenhuma clareza, antes erros entre elas e por eles próprios no que afirmam”, a matéria de facto provada). Como se disse no Acórdão n.º 259/02, tal “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.” Não pode, pois, considerar-se inconstitucional a norma em causa, pelo que deve ser negado provimento ao presente recurso.» 10. Na situação dos presentes autos, o tribunal a quo, confrontado, na arguição de nulidade do seu acór- dão, com a eventual inconstitucionalidade da interpretação conferida aos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, «ao equivaler a confusão conceptual à falta de motivação, recusando-se a decidir a questão, quando possuía elementos suficientes para emitir um juízo», afastou tal possibilidade convocando, designa- damente, alguma jurisprudência constitucional. Foi citado o Acórdão n.º 259/02, igualmente referido no supra mencionado Acórdão n.º 140/04. Cumpre, no entanto, fazer um alerta importante: é que no Acórdão n.º 259/02 estava em causa recurso interposto pelo assistente, não se tratando de caso, por conseguinte, de incidência das garantias constitucionais de defesa em processo criminal. Aliás, o outro aresto mencionado pelo Tribunal da Relação a fls. 884 (nota de rodapé 6 – Acórdão n.º 322/04), não avança, ao invés do indi- cado, no mesmo sentido, tratando-se, ao invés, de juízo de inconstitucionalidade da norma constante dos n. os 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a) , b) e c) daquele n.º 3, pela forma prevista no referido n.º 4, tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade de suprir tal deficiência. O parâmetro que fundamentou tal juízo de inconstitucio- nalidade foi, precisamente, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o qual não tem aplicabilidade às situações de recurso interposto pelo assistente. 11. Não significa isto, contudo, que seja desprovido de relevância – ainda que se trate de processo puni- tivo e esteja em causa recurso do arguido – o facto de estarem em causa vícios substanciais e não meramente formais, no sentido elencado pelo Acórdão n.º 140/04, bem como nos Acórdãos n. os 259/02 e 322/04 (ainda que se reportando este último, expressamente, a recurso não abrangido pelas garantias de defesa em processo penal): com efeito, a imposição de ónus processuais ligados à inteligibilidade e congruência das motivações apresentadas – no caso em apreço, a coerência entre o pedido e a causa de pedir em que se baseia tal pedido – não configuram exigências excessivas ou desproporcionadas. A ora recorrente peticionou ao tribunal recorrido a declaração de nulidade de toda a prova documental e pericial. Contudo, e na ótica daquela instância, não apresentou motivação no sentido de se verificar nuli- dade insanável, nulidade sanável ou utilização de prova absoluta ou relativamente proibida. Estamos perante vício de natureza substancial, que ultrapassa a mera constatação da insuficiência do requerimento em causa – trata-se de vício que, desde logo, influencia a própria delimitação do objeto do recurso, traduzida designa- damente na delimitação daqueles que virão a ser os poderes de cognição do tribunal ad quem . Ora, como se realçou no Acórdão n.º 374/00, «(…) há todo o lugar para distinguir entre os dois tipos de situações, postos em evidência, a saber: um, em que (para além de se tratar de processo punitivo) se está perante deficiências relativas apenas à “formulação” das con- clusões; e o outro, em que as “deficiências” são imputadas ao próprio conteúdo daquelas, resultando naturalmente de considerações que lhes são logicamente anteriores e são relativas à definição do objeto do recurso. Ora, nesta

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