TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

48 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na verdade, em virtude das funções diferenciadas cujo exercício lhes cumpre realizar, a Constituição não coloca no mesmo plano a Administração Pública em geral e as forças de segurança. O mesmo se diga, de modo reforçado, quanto às forças armadas, muito embora, todos eles, integrem a Administração Pública. No artigo 272.º, a Constituição atribui à polícia a defesa da legalidade democrática e a garantia da segurança interna e dos direitos do cidadão. O artigo 273.º incumbe o Estado de assegurar a defesa nacional, que tem por objetivos garantir a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas. A defesa militar da República é atribuída, no artigo 275.º, às Forças Armadas. A proteção da saúde dos profissionais incumbidos do exercício destas funções essenciais do Estado não pode ser encarado na mesma perspetiva em que o é a proteção da saúde dos funcionários públicos em geral – relativamente aos quais se admite que possam, facultativamente, estar inscritos num subsistema de saúde especial (ADSE) –, e dos restantes cidadãos – que usufruem da proteção genericamente garantida pelo Ser- viço Nacional de Saúde. A diferença resulta da especial condição estatutária dos elementos militares e policiais no ativo, associada à especial obrigação do Estado de assegurar a defesa nacional, a legalidade democrática, a segurança interna e a garantia dos direitos dos cidadãos. O estatuto deste pessoal é moldado à medida da especificidade das funções que constitucionalmente lhes estão atribuídas, e que também determinam o seu funcionamento como uma organização com uma estrutura e uma hierarquia próprias. O que distingue estes servidores do Estado dos restantes funcionários públicos (ver, por exemplo sobre a condição militar, o Acórdão n.º 555/99) é também a permanente dis- ponibilidade para lutar em defesa da Pátria, em nome do interesse nacional, ou pela segurança interna, se necessário com o sacrifício da própria vida, assumindo riscos inerentes ao cumprimento das suas missões, e com sacrifício de interesses pessoais, e a sujeição a especiais restrições de direitos, a que não ficam sujeitos os demais cidadãos. Por isso (como o reconhece este último Acórdão mencionado) devem os cidadãos sujeitos a esta especial condição estatutária usufruir de «um complexo de especiais direitos, compensações e regalias, particular- mente em matérias com expressão pecuniária – segurança social, assistência, remunerações, cobertura de ris- cos, etc.» – que são contrapartida de deveres especiais que oneram estes profissionais (Acórdão n.º 555/99). Por se atender a estas especificidades, e ao contrário do que sucede com a solução relativa à ADSE, não pode admitir-se que estes subsistemas sejam exclusivamente financiados pelos próprios beneficiários. Assim, na ADSE, sistema hoje de inscrição (e manutenção de inscrição) facultativa, parece possível que possa o legislador adotar como finalidade do aumento das contribuições dos seus beneficiários a autossusten- tabilidade desse sistema de saúde, fazendo com que estas contribuições paguem os serviços fornecidos, sem que essa opção ofenda a Constituição. Já no caso dos SAD e da ADM, essa não pode ser uma finalidade legítima, já que, em virtude das espe- ciais funções desempenhadas, existe uma obrigação estadual de custear as despesas de saúde destes beneficiá- rios (o que justifica, por exemplo, o particular regime relativamente às despesas operacionais), uma vez que são estes profissionais que garantem, em nome do Estado, a defesa nacional e a segurança interna. Assim sendo, quando se pondera a possibilidade de um aumento de 1% nas contribuições dos benefi- ciários destes subsistemas de saúde – aumento este que os colocaria, não se esqueça (e apesar das relevantes diferenças que vêm de ser assinaladas quanto ao estatuto), no mesmo plano contributivo escolhido para os funcionários públicos beneficiários da ADSE, estes com opção de abandono do sistema – com a finalidade de obter a autossustentabilidade destes subsistemas, não podemos deixar de considerar que uma tal solução é violadora da Constituição. O fim escolhido – de autossustentabilidade dos subsistemas ADM e SAD – não pode servir para justi- ficar um tal aumento, o que inquina, à partida, um juízo favorável em matéria de respeito pelo princípio da proporcionalidade. É que a autossustentabilidade, em virtude da obrigação estadual de garantia da defesa nacional e de manutenção da segurança interna, não é constitucionalmente admissível.

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