TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

505 acórdão n.º 778/14 Ainda de acordo com a decisão recorrida, nessas situações é o próprio juiz que manda abrir um processo de multa, instrui-o e acusa o demandado, imputando-lhe os respetivos factos, estabelecendo o contraditório, e a seguir julga-o à luz das regras adjetivas previstas na LOPTC e, supletivamente, das previstas no Código de Processo Penal. Considera por isso a decisão recorrida que, tratando-se de responsabilidade sancionatória efetivada segundo o direito penal, substantivo e adjetivo, o facto de a mesma entidade que acusa proceder ao julga- mento fere o princípio do acusatório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição. Entende ainda a decisão recorrida que qualquer processo de natureza sancionatória, não apenas crimi- nal, em que o acusador é também o julgador não pode considerar-se um processo equitativo, no sentido consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47.º, n.º 2, da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição. Assim, concluiu a referida sentença pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 66.º, 77.º, n.º 4, e 78.º, n.º 4, alínea e) , da LOPTC e do artigo 76.º do Regulamento Geral do Tribunal de Contas, quando interpretadas no sentido de permitirem ao juiz a iniciativa de acusar, instruir e sentenciar nos processos de aplicação de multa a que se refere o artigo 66.º da LOPTC. Conforme se referiu, está em causa nos autos a aplicação da multa prevista no artigo 66.º, n.º 1, alínea c) , da LOPTC, pelo que será apenas em relação a esse tipo de multas que faz sentido analisar as questões suscitadas, uma vez que só em relação às mesmas é que a decisão do Tribunal Constitucional se poderá reper- cutir no caso concreto. Na sistemática da LOPTC, a norma do artigo 66.º insere-se no Capítulo V, denominado «Da efetivação de responsabilidades financeiras» e, dentro deste capítulo, na Secção III, intitulada «Da responsabilidade san- cionatória». Nesta secção, o artigo 65.º, sob a epígrafe «Responsabilidades financeiras sancionatórias», prevê a aplicação de multa para diversas infrações, praticadas com dolo ou negligência, em que está diretamente em causa o incumprimento de regras relativas à legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas e à boa gestão financeira. Já o artigo 66.º, sob a epígrafe «Outras infrações», prevê no seu n.º 1 a aplicação de multas em situações em que o comportamento sancionado não se traduz na violação daquele tipo de regras, mas sim no incumprimento de regras de natureza eminentemente processual [ v. g. , a falta injustificada de remessa de contas ao Tribunal ou a falta injustificada da sua remessa tempestiva ou pela sua apresentação com deficiências tais que impossibilitem ou gravemente dificultem a sua verificação – alínea a) ; a falta injustifi- cada de prestação tempestiva de documentos que a lei obrigue a remeter – alínea b) ; a falta injustificada de prestação de informações pedidas, de remessa de documentos solicitados ou de comparência para a prestação de declarações – alínea c) ; a falta injustificada da colaboração devida ao Tribunal – alínea d) ; a inobservância dos prazos legais de remessa ao Tribunal dos processos relativos a atos ou contratos que produzam efeitos antes do visto – alínea e) ; a introdução nos processos de elementos que possam induzir o Tribunal em erro nas suas decisões ou relatórios – alínea f ) ]. A multa prevista no artigo 66.º, n.º 1, alínea c) , da LOPTC, em causa nos presentes autos, destina-se a sancionar o incumprimento do dever de colaboração com o Tribunal, sendo claramente uma multa de natureza processual, a exemplo de outras sanções de natureza pecuniária que, não só no âmbito do direito processual civil e processual penal, mas também de outros ramos de direito processual, sancionam os com- portamentos que, em termos gerais, se traduzem numa falta de colaboração com as entidades jurisdicionais. Tais multas, que assumem um caráter meramente instrumental em relação a um processo principal, têm em vista, em primeira linha, garantir o cumprimento dos deveres de colaboração com o tribunal para a desco- berta da verdade. O Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar quanto a este tipo de sanções pro- cessuais de natureza pecuniária, distinguindo-as das sanções de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar (cfr., sobre esta matéria, entre outros, os Acórdãos n. os 315/92, 680/04, 27/05 e 458/07, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ).

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