TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

506 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, a respeito da natureza das “multas processuais”, o referido Acórdão n.º 315/92 começa por referir o seguinte: «[…] estas multas não são consequências jurídicas da prática de crimes. Se a doutrina processual civil se refere a elas, por vezes, como “penas”, é porque utiliza esta expressão amplamente, em sinonímia com “sanções punitivas” (assim, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a col. de Antunes Varela, edição revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, p. 354, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição, reimp., 1981, p. 261).» E acrescenta ainda que: «[…] 10 – As sanções processuais são cominadas para ilícitos praticados no processo, cujo adequado desenvolvi- mento visam promover. Com a sua estatuição, pretende-se, conforme os casos, obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais, impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a ação da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos tribunais (cfr. Vítor Faveiro, “Algumas notas sobre o problema das multas processuais. A sanção do artigo 524.º do Código de Processo Civil”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 7, 1948, pp. 73 e segs., maxime pp. 85-6, e Aragão Seia, “Adicionais sobre as multas processuais”, in Colectânea de Jurisprudência , ano VIII (1983), tomo III, pp. 29 a 31).» Tecidas estas considerações, o referido acórdão afasta depois a natureza criminal destas sanções, con- siderando que «elas possuem uma natureza específica e são cominadas para ilícitos praticados no processo, visando promover o seu normal desenvolvimento» e conclui também que o processo penal não abrange este tipo de sanções, com a seguinte fundamentação: «[…] 13 – Se o processo penal é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a aplicação do direito penal pelos tribunais, deve concluir-se que ele não abrange, em princípio, as sanções processuais. Assim se compreende, aliás, que a aplicação de tais sanções não seja rodeada das garantias de defesa atribuídas ao arguido em processo penal. Destinatário das sanções não é nunca o arguido, enquanto tal, mas a generalidade dos intervenientes no processo». Finalmente, este aresto conclui ainda que estas sanções processuais são «indiscutivelmente estranhas ao direito disciplinar e ao direito de mera ordenação social», referindo a esse respeito o seguinte: «O direito disciplinar caracteriza-se pela existência de um poder hierárquico que o tribunal não possui, eviden- temente, quando aplica multas processuais às partes ou a outros intervenientes no processo. Tão-pouco o direito de mera ordenação social, que se distingue do direito penal, tendencialmente, «(…) pela natureza dos respetivos bens jurídicos (…) (e) (…) pela desigual ressonância ética» e, decisivamente, através da qualificação feita pelo próprio legislador (cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 443/82, de 27 de outubro), pode abranger as multas processuais – sanções historicamente anteriores e não filiadas no direito penal.» Este entendimento é também aplicável às multas previstas no artigo 66.º, n.º 1, alínea c), da LOPTC, que, conforme se disse, são sanções de natureza processual que têm como finalidade levar os cidadãos a cola- borar com as entidades jurisdicionais (neste caso, com o Tribunal de Contas). Assim, é manifesto que a norma que prevê tais multas não tem natureza processual penal, uma vez que não tem por finalidade disciplinar a aplicação, pelos tribunais, do direito criminal. E é também inequívoco que a multa nela prevista não é aplicável a factos ilícitos típicos de natureza penal, ou seja, a factos cataloga- dos como crimes, pelo que não tem a natureza de sanção criminal.

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