TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

507 acórdão n.º 778/14 Esta conclusão assume particular relevância tendo em conta que um dos fundamentos invocados pela decisão recorrida para a recusa de aplicação da interpretação normativa aqui em questão foi a violação do princípio acusatório, consagrado no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, p. 522), este é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal que «significa que só pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do jul- gador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial». Ora, uma vez que, como se viu, as multas previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 66.º da LOPTC, constituem sanções de natureza processual, a sua aplicação não tem de ser rodeada das garantias de defesa atribuídas ao arguido em processo penal, não lhe sendo por isso aplicável o princípio do acusatório, uma vez que nem sequer um processo sancionatório de natureza não criminal está aqui em causa. Por outro lado, constituindo este princípio uma das garantias constitucionais do processo criminal, as exigências dele decorrentes não são diretamente aplicáveis a outros tipos de processo, designadamente, aos processos previstos no artigo 66.º, n.º 1, alínea c), da LOPTC. Acresce ainda que, mesmo a admitir-se que estes processos têm uma natureza aproximada do processo de contraordenação ou de outro processo de natureza estritamente sancionatória (o que, como vimos, não se verifica), daí não decorre também que os mesmos tenham de ter uma estrutura do tipo acusatório, designa- damente, por exigência do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, segundo o qual “[n]os processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direi- tos de audiência e defesa”. Na verdade, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão de saber se os direitos de audiência e defesa previstos nesta norma constitucional implicam a subordinação desse tipo de processos a uma estrutura acusatória, tendo concluído pela resposta negativa. Fê-lo, designadamente, no Acórdão n.º 581/04, onde se refere, a esse respeito, o seguinte: «(…) a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contraordenacional (n.º 10 do artigo 32.º da Constituição) não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo idêntico ao que a Constituição reserva, no n.º 5 do artigo 32.º, para o “processo criminal”, como, ainda – e, numa certa perspetiva, decisivamente –, a posição do arguido está garantida pela possibilidade de recurso jurisdicional. O n.º 10 do artigo 32.º da Constituição não é, pois, desrespeitado só pelo mero facto de não serem diferentes os funcionários que confirmam o auto de notícia e proferem a decisão final». Conclui-se, assim, que a interpretação das normas dos artigos 66.º, 77.º, n.º 4, e 78.º, n.º 4, alínea e) , da LOPTC e do artigo 76.º do Regulamento Geral do Tribunal de Contas, interpretadas no sentido de per- mitirem ao juiz a iniciativa de acusar, instruir e sentenciar nos processos de aplicação de multa a que se refere o artigo 66.º da LOPTC não viola o princípio do acusatório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constitui- ção, uma vez que o procedimento aí previsto não reveste natureza sancionatória, não se encontrando sujeito aos princípios constitucionais do direito processual criminal ou do restante direito processual sancionatório. Importa ainda apreciar se tal interpretação normativa viola o direito a um processo equitativo. A decisão recorrida assim o entendeu, sustentando que qualquer processo de natureza sancionatória, não apenas criminal, em que o acusador é também o julgador, não pode considerar-se um processo equita- tivo, no sentido consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47.º, n.º 2, da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 20.º, n.º 4, da CRP. O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).

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