TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

508 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito nor- mativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevi- das, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94). Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um pro- cesso equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Repú- blica Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, Volume I, pp. 415 e 416). Importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjetivos proporcionem aos interessa- dos meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva. Feito o enquadramento geral da questão e centrando agora a atenção na análise do caso concreto, importa desde logo salientar que, conforme referido, o regime processual previsto na LOPTC relativo à aplicação das multas previstas no seu artigo 66.º, n.º 1, alínea c) , na interpretação normativa cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, não se destina à aplicação de sanções de natureza penal, contraordenacio- nal ou disciplinar, mas sim de sanções de cariz meramente processual, daí decorrendo, como se viu, que tal regime processual não se encontra sujeito aos princípios constitucionais do direito processual criminal ou do restante direito processual sancionatório. As sanções processuais são cominadas para ilícitos praticados no processo, visando assegurar a normal tramitação deste e obter uma justa decisão da lide, pretendendo-se, nomeadamente, com a sua estatuição obter a cooperação dos particulares com os serviços de justiça, como sucede com a previsão aqui em análise. A competência para aplicação dessas sanções é atribuída habitualmente ao magistrado titular do processo onde se verifica o ilícito, uma vez que é perante ele que o ilícito é praticado, mediante procedimento sim- plificado tramitado por esse mesmo magistrado, de modo a assegurar a sua eficácia, com o mínimo de per- turbação do processo a que respeita. É essa a solução da interpretação normativa aqui em análise, segundo a qual é ao mesmo juiz do Tribunal de Contas que compete a iniciativa de “acusar, instruir e sentenciar nos processos de aplicação de multa a que se refere o artigo 66.º da LOPTC”.

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