TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

518 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no âmbito da decisão recorrida, não tendo constituído ratio decidendi da sentença contestada, não devendo o Tri- bunal Constitucional conhecer da invocada desconformidade constitucional. 124. Complementarmente, dir-se-á, igualmente, que não se poderá imputar a violação do disposto no n.º 1 do artigo 214.º da Constituição da República Portuguesa, às normas constantes do n.º 8, do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhe foi dada pelo artigo 1.º, da Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, por não se nos afigurar que ocorra qualquer lesão material daquela disposição constitucional, uma vez que do texto do referido artigo 214.º não resulta, diretamente, a atribuição de competência ao Tribunal de Contas para fiscalizar todas as aplicações de dinheiros públicos – com exceção das aludidas nas alíneas a) e b) , do n.º 1, do artigo 214.º –, não constituindo a não atribuição, em situações concretamente identificadas, dessa competência, por parte do legislador ordinário, qualquer violação de princípios ou regras constitucionais. 125. Também não se verifica, em nosso entender, a pretensa inconstitucionalidade material das normas con- tidas nos artigos 66.º, 77.º, n.º 4 e 78.º, n.º 4, alínea e) , da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), e artigo 76.º do Regulamento Geral [Interno] do Tribunal de Contas (RGTC), por violação dos prin- cípios da estrutura acusatória do processo penal e do processo equitativo, consagrados, respetivamente, nos artigos 32.º, n.º 5 e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. 126. As multas previstas na alínea c) , do n.º 1, do artigo 66.º da LOPTC têm uma natureza meramente processual não constituindo o procedimento visando a sua aplicação, essencialmente, um processo sancionatório autónomo. 127. Consequentemente, aquelas normas infraconstitucionais, cuja inconstitucionalidade material é invocada, reportam-se ao procedimento tendente à aplicação das multas previstas na alínea c) , do n.º 1, do artigo 66.º da LOPTC, o qual não reveste natureza sancionatória em qualquer dos sentidos regulados no artigo 32.º da Cons- tituição da República Portuguesa, não se encontrando sujeito aos princípios constitucionais do direito processual criminal ou, sequer, do restante direito processual sancionatório, razão pela qual tais normas se revelam insuscetí- veis de violar o princípio do acusatório, princípio constitucional privativo do processo criminal. 128. Acresce que, estas normas da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) e do Regu- lamento Geral [Interno] do Tribunal de Contas (RGTC), cuja inconstitucionalidade é invocada na douta decisão recorrida, são normas atributivas de competência para aplicação das multas previstas na alínea c) , do n.º 1, do artigo 66.º da LOPTC (e também de garantia do contraditório no caso do artigo 76.º do RGTC), que não regulam o procedimento destinado à sua aplicação sendo, também por isso, insuscetíveis de violar o princípio acusatório, princípio constitucional processual. 129. Por semelhantes razões, não violam tais normas, igualmente, o direito a um processo equitativo, plasmado no n.º 4 do artigo 20.º da mesma Constituição da República Portuguesa. 130. Por fim, também no que concerne à invocada inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 76.º do Regulamento Interno do Tribunal de Contas, por violação do disposto na alínea p) , do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, sustentamos a sua não inconstitucionalidade. 131. Efetivamente, a disposição normativa do artigo 76.º do Regulamento Interno do Tribunal de Contas, no que à matéria da competência dos juízes respeita, limita-se a reproduzir o teor dos artigos 77.º, n.º 4 e 78.º, n.º 4, alínea e) , da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, e a reconhecer o direito ao contraditório, nada inovando relativamente ao conteúdo daquelas normas legais. 132. Em face do agora exposto, deverão ser julgadas formalmente inconstitucionais as normas jurídicas con- tidas no artigo 5.º, n.º 8, da Lei n.º 19/2003, na redação que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 55/2010 de 24/12, bem como as normas jurídicas resultantes da conjugação destas com a plasmada no n.º 4, do artigo 3.º, da Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, na redação atribuída pela Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro; ou, caso assim se não entenda, julgar materialmente inconstitucional a aplicação retroativa – ou, no mínimo, retrospetiva – da norma ínsita no artigo 5.º, n.º 8, da Lei n.º 19/2003, na redação que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 55/2010 de 24/12, por violação do princípio da segurança jurídica ínsito no princípio constitucional do Estado de direito democrático, plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

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