TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

530 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, operou-se automatica- mente a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil, com a consequente perda da titularidade do direito do senhorio, carecendo o regime constitutivo trazido pelas normas das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, introduzidas pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, de ser compreendido como meio de atuação do efeito aquisitivo estipulado no n.º 1 do mesmo preceito – com o correlativo sacrifício do anterior titular do direito de propriedade – tornando o esquema enfitêutico unicamente como ponto de passagem para a propriedade plena. IV – O Tribunal tem entendido que a Lei Fundamental consente, para além da privação por expropriação ou requisição, expressamente previstas no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, ou outras impostas por razões de interesse público, limitações ou restrições mais ou menos profundas ao direito de proprie- dade, incluindo restrições resultantes de soluções dadas a conflitos de direitos, no domínio de relações jurídico privadas, com sacrifício total de uma das posições em confronto; decisivo é que tais restrições encontrem cobertura ou justificação constitucional. V – Ora, perante a extinção da enfiteuse, a privação do direito de propriedade do titular do domínio direto pela consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil apresenta credencial constitucional, decorrendo da ponderação do comando constitucional relativo à política agrícola constante do artigo 93.º, n.º 1, alínea b) , e, especificadamente, do disposto no artigo 96.º, n.º 2, ambos da Constituição; contudo, no Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, determina-se a transferência ope legis do domínio direto dos prédios para o titular do domínio útil, sem que se conceda, em termos gerais, ao titular do domínio direto qualquer indemnização. VI – Sendo desígnio constitucional a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil, com o consequente retirar do correlativo direito do titular do domínio direto, esta privação teria, necessaria- mente, de ser acompanhada da atribuição, a este, da devida e adequada prestação compensatória. VII – Ora, estando presente no regime do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na sua versão origi- nal, o vício de violação do direito de propriedade privada – por dele não decorrer a consagração de indemnização que, quanto a todos os senhorios, titulares do domínio direto enfitêutico sobre prédios rústicos, os compense da privação forçada desse direito –, a modificação legislativa operada em 1997, na medida em que veio permitir a constituição de relação de enfiteuse de acordo com regras inovado- ras, dando assim novo campo subjetivo de atuação à consolidação ope legis da propriedade no titular do domínio útil, mas manteve inalterado o regime compensatório, não pode deixar de ser objeto de idêntico juízo de censura jurídico-constitucional; com efeito, a dimensão normativa em análise com- porta a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil sem que se conceda, em termos gerais, ao titular do domínio direto uma “justa indemnização”, infringindo o âmbito de proteção do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República.

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