TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

533 acórdão n.º 786/14 todo e qualquer titular de domínio direto” (cfr. fls. 363) e revogou a sentença que havia declarado a consti- tuição a favor dos autores, por usucapião do seu domínio útil, da enfiteuse sobre uma das duas parcelas de terreno rústico indicadas no pedido, julgando totalmente improcedente a ação. A fundamentação exarada pelo tribunal a quo passou inicialmente pela abordagem da questão de saber se a normação do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na versão original, que aboliu a enfiteuse, deveria ser considerada materialmente inconstitucional em função da não concessão de justa indemnização a todos os titulares do domínio direto. Esse fora, note-se, o cerne da posição dos recorrentes, que cingiram as suas alegações à defesa da constitucionalidade da normação constante do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, em virtude da consagração no texto constitucional da extinção da enfiteuse, sem aludir a qualquer das alterações introduzidas posteriormente (cfr. fls. 395 a 406). A esse propósito, afirma-se na decisão recorrida que:  «(…) [P]arece assim que a proibição da figura no texto constitucional valida a “duvidosa constitucionalidade” da extinção (feita em tempo pré-constitucional) sendo que nada se diz sobre a indemnização que o diploma abolidor previa apenas para pessoas singulares que não tivessem salário superior ao mínimo nacional, sendo certo que, não obstante as ulteriores alterações, a indemnização se manteve standard , mesmo quando, quase dez anos volvidos uma nova lei veio admitir a aquisição do domínio útil pela invocação da usucapião – artigo 2.º, da Lei n.º 108/97, de 16.9, que aditou ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16.3 um novo número (o sexto)». A partir desse trecho, o Tribunal recorrido centrou a sua análise no significado jurídico-constitucional das alterações introduzidas pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, no regime do Decreto-Lei n.º 195-A/76, acolhendo expressamente o entendimentode J. J.GomesCanotilho eAbílioVassalodeAbreu (“Enfiteuse sem extinção. Apropósito da dilatação legal do âmbito normativo do instituto enfitêutico”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , n. os  3967, 3968 e 3969, pp. 206-239, 266-300 e 326-345) e Bacelar Gouveia ( Abolição da Enfiteuse relativa a prédios rústicos à luz da Constituição da República Portuguesa de 1976 , acessível no endereço www.jorgebacelargouveia.com/images/site/consultoria/enfiteuse.pdf ) . E, em jeito de conclusão, exarou-se o seguinte: «Pelo quanto dissemos, o Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, ao abolir a enfiteuse a que estavam sujei- tos os prédios rústicos, e ao conferir ao titular do domínio direto o domínio útil, atribuindo ao titular deste uma indemnização desrazoável e discriminatória, uma vez que apenas foi legalmente prevista para os casos em que o titular do domínio direto fosse pessoa singular com rendimento inferior ao salário mínimo nacional – artigo 2.º, n.º 1 – e estabelecendo que essa indemnização consistiria no pagamento anual enquanto fossem vivas, de uma quantia em dinheiro igual a doze vezes a diferença entre o salário mínimo nacional e o seu rendimento mensal ou no pagamento do valor do foro quando este for inferior àquela quantia, violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade, do Estado de Direito, na vertente da proteção da confiança, e violou, ainda, o direito de pro- priedade privada já que o ato ablativo do direito de propriedade não foi acompanhado de indemnização que possa ser considerada justa, mesmo em função do tempo histórico em que ocorreu. Por outro lado, e por ter atinência com a decisão, uma vez que a pretensão dos AA. assentou, também, na usucapião como modo de aquisição do domínio útil que se arrogaram, para depois, por via dele, se tornaram titu- lares do domínio útil, mesmo que não fosse de considerar a inconstitucionalidade material do diploma abolitivo da enfiteuse, este Tribunal ao abrigo do artigo 204.º da Constituição da República, por considerar materialmente inconstitucional a norma do artigo 1.º da Lei n.º 108/97, de 1[6].9. que alterou a redação do n.º 5 do Decreto-Lei n.º 175-A/96, de 16 de março, ao admitir a constituição da enfiteuse por usucapião, quando o direito já tinha sido abolido, estabelecendo assim retroactivamente um meio de aquisição do direito, sem atribuição de qualquer indemnização – artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República – violou os princípios da igualdade (artigo 13.º da CR), da proporcionalidade e do Estado de Direito, na vertente da proteção da confiança.»

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