TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

534 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5.4. Uma leitura isolada desse segmento, com o qual se finaliza a fundamentação do acórdão recorrido, poderia conduzir à identificação de duas questões de constitucionalidade autónomas: uma primeira, repor- tada ao disposto no artigo 2.º, n. os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, incidente sobre a norma que confere indemnização titular do domínio direto tão somente quanto este for uma pessoa singular com rendimento mensal inferior ao salário mínimo nacional e o estipula o seu montante; e uma segunda, referida ao artigo 1.º da Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, na medida em que acolhe e rege a constituição de enfiteuse por usucapião. Todavia, a formulação do dispositivo constante do acórdão recorrido – refletida, como se disse, no requerimento de interposição do recurso e na posição do recorrente em alegações – vem abarcar esses dois planos de apreciação num único, centrado na ausência de atribuição de qualquer indemnização, à luz da nova regulação da constituição da enfiteuse por usucapião decorrente das duas alíneas do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, introduzida em 1997. Dessa forma, acentua-se o questiona- mento do efeito aquisitivo do direito de propriedade articulado em dois passos comportado nessa normação – primeiro da titularidade do direito enfitêutico e depois, ope legis e automaticamente, por via do regime abolição desta figura, do direito de propriedade plena sobre o prédio rústico – que se considera operar uma ablação do direito de propriedade sem atribuição de indemnização. Verifica-se, então, que, pese embora o sentido normativo recusado por inconstitucional seja referido unicamente ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, esse juízo convoca implicitamente a apreciação de outras vertentes normativas, mormente quanto à dimensão indemnizatória do “regime normativo” – rectius , a sua ausência – cuja aplicação se considerou estar em equação no caso vertente. Ora, nesse plano, o único elemento que a formulação escolhida pelo Tribunal recorrido e, depois, pelo recorrente, nos oferece, decorre da indicação de que a normação desaplicada implica que não possa ser aqui atribuída “qualquer indemnização” pela ablação do direito de propriedade, avaliação que cabe a este Tribu- nal aceitar como um dado. Aliás, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, confirmado pela decisão recorrida, refere expressamente que “nada foi alegado de onde se possa concluir no sentido de a ré ter direito a qualquer indemnização”. Encontra-se, então, afastado do objeto do recurso a discussão, incidentalmente abordada pelo tribunal a quo, sobre a desrazoabilidade dos montantes compensatórios prescritos no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março. 5.5. Perante o exposto, o problema a apreciar reside na conformidade constitucional do sentido nor- mativo, alojado nas alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, na medida em que aí se estabelece um regime de constituição de enfiteuse por usucapião, o qual, conjugado com o regime de consolidação dos domínios útil e direto decorrente da abolição da figura, opera a translação da propriedade plena, sem atribuição, em ter- mos gerais, de indemnização, no confronto, em primeira linha, com a garantia constitucional do direito de propriedade decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição. 6. Para responder à questão de constitucionalidade colocada, mostra-se indispensável ter em atenção os marcos que traçaram a evolução legislativa recente do milenar instituto da enfiteuse. 6.1. O Código Civil de Seabra, regulando o instituto da enfiteuse no título dos contratos em particular, definiu-o através da sua fonte mais vulgar: “Dá-se o contrato de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, quando o proprietário de qualquer prédio transfere o seu domínio útil para outra pessoa, obrigando-se esta a pagar-lhe anualmente certa pensão determinada, a que se chama foro ou cânon” (artigo 1653.º).

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