TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

535 acórdão n.º 786/14  Após ampla discussão, foi decidido manter o instituto no Código Civil de 1966, que ficou regulado no Título IV do Livro III sobre o Direito das Coisas, nos artigos 1491.º a 1525.º O artigo 1491.º, n.º 1, definia a enfiteuse do seguinte modo: “Tem o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados direto e útil”. A enfiteuse era, assim, conformada como o fracionamento do direito de propriedade em dois tipos de domínio sobre o mesmo bem – o “domínio direto” e o “domínio útil”–, autónomos e dotados de conteúdo próprio. O prédio sujeito a enfiteuse dizia-se prazo e podia ser rústico ou urbano (n.º 2 do artigo 1491.º). O titular do domínio direto era o senhorio; o do domínio útil o foreiro ou enfiteuta (n.º 3 do mesmo artigo). Através da localização do instituto e, o que é mais significativo, da sua definição, o Código Civil de 1966 tornou explícita a natureza real do direito enfitêutico. A enfiteuse era um direito perpétuo (não vitalício ou temporário), sem prejuízo da faculdade de remição (artigo 1492.º, n.º 1). Os contratos que fossem celebrados por tempo limitado seriam tidos como de arren- damento (n.º 2 do referido artigo). O prédio era indivisível, salvo consentimento do senhorio (artigos 1493.º e 1494.º); outro tanto suce- dendo com o domínio direto (artigo 1495.º). A enfiteuse podia constituir-se por contrato, testamento ou usucapião (artigo 1497.º). A constituição da enfiteuse por usucapião podia ter lugar pela aquisição do domínio direto, pela aquisição do domínio útil ou pela aquisição simultânea de ambos por pessoas diferentes (artigo 1498.º). Ao titular do domínio direto cabia o seguinte conjunto de direitos sobre o bem (artigo 1499.º): receber anualmente o foro; alienar ou onerar o seu domínio, por ato inter vivos ou mortis causa; preferir na venda ou dação em cumprimento do domínio útil; suceder no domínio útil, na falta de herdeiro testamentário ou legítimo do enfiteuta, com exclusão do Estado; receber o prédio por devolução, no caso de deterioração. Por sua vez, da parte do titular do domínio útil, estabeleciam-se os seguintes direitos a seu favor (artigo 1501.º): usar e fruir o prédio como coisa sua; constituir ou extinguir servidões ou o direito de superfície; alienar ou onerar o seu domínio, por atos inter vivos ou mortis causa; preferir na venda ou dação em cumpri- mento do domínio direto, ficando graduado em último lugar entre os preferentes legais; obter a redução do foro ou a encampar o prazo; remir o foro. Em especial, a remição do foro traduzia-se na faculdade conferida ao enfiteuta de adquirir o domínio direto, quando o emprazamento tivesse mais de quarenta anos de duração, pondo, assim, termo ao desmembramento da propriedade a que a enfiteuse dera lugar, mediante o pagamento de um preço (artigos 1511.º e 1512.º). 6.2. Após a Revolução de 25 de abril de 1974, o legislador nacional entendeu pôr termo à relação jurí- dica da enfiteuse. Surgiu então o Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, que operou a abolição da enfiteuse sobre prédios rústicos. Decorre expressamente do preâmbulo deste diploma a ratio legis que lhe está subjacente: «Através da forma jurídica da enfiteuse têm continuado a impender sobre muitas dezenas de milhares de peque- nos agricultores encargos e obrigações que correspondem a puras sequelas institucionais do modo de produção feudal. Com efeito, encontram-se ainda hoje extremamente generalizados os foros, podendo referir-se que só o Estado, segundo estimativas feitas pela Direção-Geral da Fazenda Pública, é titular de domínios diretos que atingem cerca de 400 000, ultrapassando o seu valor 1 milhão de contos. Uma política agrária orientada para o apoio e a libertação dos pequenos agricultores não pode deixar de inte- grar a liquidação radical de tais relações subsistentes no campo. Previu-se, no entanto, a particularidade de situação dos pequenos senhorios, tendo-se adotado uma solução que permitirá ao Estado identificar rapidamente tais situações.»

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