TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

537 acórdão n.º 786/14 Dez anos mais tarde, foi editada a Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, a qual alterou, inter alia , o n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março – onde se aloja a normação questionada – dando- -lhe a seguinte redação: «[…] 5. Considera-se que a enfiteuse se constituiu por usucapião se: a) Desde, pelo menos, 15 de março de 1946 até à extinção da enfiteuse o prédio rústico, ou a sua parcela, foi cultivado por quem não era proprietário com a obrigação para o cultivador de pagamento de uma prestação anual ao senhorio; b) T iverem sido feitas pelo cultivador ou seus antecessores no prédio ou sua parcela benfeitorias, mesmo que depois de 16 de março de 1976, de valor igual ou superior a, pelo menos, metade do valor do prédio ou da parcela, considerados no estado de incultos e sem atender a eventual aptidão para urbanização ou outros fins não agrícolas» Além disso, a referida Lei n.º 108/97 aditou ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, um n.º 6, assim concebido: «[…] 6. Pode pedir o reconhecimento da constituição da enfiteuse por usucapião quem tenha sucedido ao cultivador inicial por morte ou por negócio entre vivos, mesmo que sem título, desde que as sucessões hajam sido acompa- nhadas das correspondentes transmissões da posse.» O significado e alcance desta medida legislativa suscitou por parte da doutrina entendimentos divergen- tes, como dá notícia a decisão recorrida. Com efeito, face às alterações resultantes das Leis n. os 22/87, de 24 de junho, e 108/97, de 16 de setem- bro, António Menezes Cordeiro sustentou que fora introduzida uma “modalidade específica de usucapião” (“Da enfiteuse: extinção e sobrevivência”, in revista O Direito , Ano 140.º, 2008, II, pp. 313 a 315). Segundo o referido Autor, atendendo às alterações ao Decreto-Lei n.º 195-A/76 introduzidas pela Lei n.º 108/97, o “interessado em afirmar-se enfiteuta” podia em alternativa: (i) “invocar a usucapião nos termos normais” ou (ii) provar os “indícios” da “modalidade específica de usucapião”, correspondente aos factos previstos nas duas alíneas do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 108/97, os quais, uma vez reunidos, dispensavam os requisitos normais da usucapião, constituindo, de facto, “uma concretização, ex lege, dessa figura” ( ob. cit. , p. 313). Aponta-se às intervenções legislativas de 1987 e 1997 o propósito sucessivamente acentuado de facilitar da aquisição do direito enfitêutico, fazendo funcionar a usucapião “para além do que resultaria do seu regime normal”, porque sem qualquer inversão do título de posse e de animus emphytheutae ( ob. cit. , p. 314). Por seu turno, J. J. Gomes Canotilho e Abílio Vassalo Abreu reputam tal interpretação de “incontor- navelmente desconforme com a Constituição” e “uma distorção dogmaticamente inaceitável na noção de usucapião há muito arreigada na nossa tradição jurídica e consagrada no atual Código Civil” (“Enfiteuse sem extinção. A propósito da dilatação legal do âmbito normativo do instituto enfitêutico”, in Revista de Legisla- ção e de Jurisprudência , Ano 140.º, n. os 3967, 3968 e 3969, pp. 206-239, 266-300 e 326-344). Na sua ótica, “[d]o que se trata é, sim e apenas, de um conjunto de requisitos que configuram uma situação específica de que depende a constituição da enfiteuse por usucapião – para lá dos pressupostos a que normalmente a lei condiciona a verificação desta última –, nos termos especiais previstos no n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro” ( ob. cit. , p. 327).

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