TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

538 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Refira-se que a abolição da enfiteuse não se circunscreveu aos prédios rústicos. Após a abolição da enfi- teuse relativa a estes, chegaria a vez da extinção da enfiteuse relativa a prédios urbanos através do Decreto-Lei n.º 233/76, de 2 de abril, em cujo preâmbulo se afirmou o seguinte: «A enfiteuse relativa a prédios urbanos é um instituto jurídico que não desempenha, nos tempos atuais, qual- quer função social útil. Impõe-se, por isso, a sua extinção, não obstante, em grande número de casos, ser titular do domínio direto o próprio Estado, que, assim verá extinta uma sua fonte de rendimento.» Contudo, nesses casos, o legislador optou desde logo pela consagração de uma indemnização a favor do titular do domínio direto, mas aí não condicionada ao (baixo) nível de rendimentos. Prosseguia, com efeito, o preâmbulo: «Ao decretar-se essa medida, não pode, todavia, deixar de assegurar-se o justo equilíbrio dos direitos e dos interesses de senhorios e enfiteutas, não privando aqueles da indemnização a que a extinção coerciva de seu direito lhes dá jus e não sujeitando estes, forçada e inopinadamente, a encargos maiores que os que vinham suportando como foreiros. Por isso se toma como base da indemnização devida ao titular do domínio direto o que seria o preço da remição do foro e se proporcionam ao enfiteuta formas suaves de pagamento dessa indemnização (…).» O artigo 1.º, n.º 1, deste diploma aboliu a enfiteuse nesse domínio material, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo preceito que “[o] enfiteuta fica investido, a partir da data da entrada em vigor deste diploma, na titularidade do direito de propriedade plena do prédio”. O artigo 2.º consagrou a favor do senhorio o direito a uma indemnização “equivalente ao que seria o preço da remição do foro” (n.º 1). Tal indemnização poderia ser fracionada (n.º 2 do mesmo artigo) e o direito correspondente deveria ser exercido no prazo de dois anos, a contar da data da entrada em vigor do diploma (n.º 3 do referido artigo). O Decreto-Lei n.º 233/76, de 2 de abril, viria a ser objeto de alterações pelos Decretos-Leis n. os 82/78, de 2 de maio, 73-A/79, de 3 de abril, e 226/80, de 15 de julho, todas tendentes a prorrogar o prazo para o exercício do direito de indemnização pelo titular do domínio direto. Por último, o Decreto-Lei n.º 335/84, de 18 de outubro, deu nova redação ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 233/76, de 2 de abril, estabelecendo a oficiosidade da atualização gratuita do registo predial em conse- quência da aplicação do diploma. 6.3. A opção levada a cabo pelo legislador ordinário iria ser acolhida pelo legislador constituinte, impondo, até aos nossos dias, a abolição da enfiteuse. A Constituição da República Portuguesa, no seu texto original, estabeleceu no seu artigo 101.º, n.º 2, que: “Serão extintos os regimes de aforamento e colonia e criadas condições aos cultivadores para a efetiva abolição do regime de parceria agrícola”. A atual redação da referida norma, hoje artigo 96.º, n.º 2, decorre da Revisão Constitucional de 1982, sendo a seguinte: “São proibidos os regimes de aforamento e colonia e serão criadas condições aos cultivadores para a efetiva abolição do regime de parceria agrícola”. A extinção da enfiteuse foi assim constitucionalmente sancionada. Sobre as razões que a tal conduziram, esclarecem Gomes Canotilho e Abílio Vassalo Abreu ( ob. cit. , n.º 3967, pp. 208 e 209): «A ratio legis do preceito constitucional tinha clara inspiração “emancipatória”: eliminar uma das mais carac- terísticas formas dominiais precapitalistas, que o Código Civil de 1966 ainda manteve (artigos 1491.º a 1523.º),

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