TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

539 acórdão n.º 786/14 embora já não fosse permitida a constituição de novos aforamentos, por força dos diplomas legislativos a que se acaba de fazer referência [Decreto-Lei n.º 195-A/76 e Decreto-Lei n.º 233/76]. (…) Parece claro, pois, que a Constituição prosseguiu teleologicamente dois objetivos: (i) eliminar definitivamente as situações de enfiteuse existentes com a consolidação do direito de propriedade plena dos prédios enfitêuticos nas mãos do titular do domínio útil (enfiteuta); (ii) impedir, no futuro, a reconstituição de novos esquemas enfi- têuticos.» 7. Expostas as linhas essenciais do regime jurídico em que se insere da normação que constitui objeto do pedido, vejamos se procede a imputação de infração da tutela constitucional da propriedade, consagrada no artigo 62.º da Constituição. Recorde-se que o acórdão recorrido funda tal violação na ablação do direito do titular do domínio direto (senhorio), correlativa da aquisição do direito de propriedade por parte do titular do domínio útil enfitêutico, sendo este constituído por via do regime de usucapião instituído pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, sem que lhe seja concedida uma indemnização. 8. O n.º 1 do artigo 62.º da Constituição dispõe que “a todos é garantido o direito à propriedade pri- vada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”, acrescentando o n.º 2 que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”. Como apontam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, nota VI ao artigo 62.º, p. 802): “o âmbito do direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: (a) a liberdade de adquirir bens; b) a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) a liberdade de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles.” O Tribunal já por diversas vezes se pronunciou sobre o conteúdo da garantia constitucional da proprie- dade privada. Nos termos do Acórdão n.º 421/09 (acessível, como os demais referidos, em www.tribunalconstitucional.pt ): «[OTribunal] tem dito, em jurisprudência constante (e vejam-se, entre outros, os Acórdãos n. os 44/99; 329/99; 205/00; 263/00; 425/00; 187/01; 57/01; 391/02; 139/04; 159/07 […]), que sendo afinal a “propriedade” um pressuposto da autonomia das pessoas, não obstante a inclusão do direito que lhe corresponde no título respeitante aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, alguma dimensão terá ele que permita a sua inclusão, pelo menos parcial, nos clássicos direitos de defesa, ou, para usar a terminologia da CRP, em alguma da sua dimensão será ele análogo aos chamados direitos, liberdades e garantias. Que assim é demonstra-o, afinal, a própria História do constitucionalismo, em que a defesa da propriedade ocupou sempre um lugar central: no plano individual, contra as investidas arbitrárias dos poderes públicos no património de cada um; no plano coletivo, quanto à própria possibilidade da existência de uma sociedade civil diferenciada do Estado, e assente autonomamente na apropriação privada de uma ampla gama de bens que permita o estabelecimento de relações económicas à margem do poder político. Resta saber qual a dimensão da garantia constitucional da propriedade que acolherá assim um radical subjetivo, que, pela sua estrutura, será análogo a um direito, liberdade e garantia. Ora, e quanto a esta matéria, decorrem da jurisprudência do Tribunal alguns pontos firmes, que poderão ser sintetizados como seguem. O primeiro ponto firme é o da não identificação entre o conceito civilístico de propriedade e o correspondente conceito constitu- cional: a garantia constitucional da propriedade protege – no sentido que a seguir se identificará – os direitos patrimoniais privados e não apenas os direitos reais tutelados pela lei civil, ou o direito real máximo. O segundo ponto firme é o da dupla natureza da garantia reconhecida no artigo 62.º, que contém na sua estrutura tanto uma dimensão institucional-objetiva quanto uma dimensão de direito subjetivo. O terceiro ponto firme dirá respeito ao

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