TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

540 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL âmbito desta última dimensão, de radical subjetivo, que irá incluída na estrutura da norma jusfundamental. A esta dimensão pertence, precisamente como direito “clássico” de defesa, o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade senão por intermédio de um procedimento adequado e mediante justa compensação, procedimento esse especialmente assegurado no n.º 2 do artigo 62.º. Para além disso – e como se disse no Acórdão n.º 187/01, § 14 – “a outras dimensões do direito de propriedade, essenciais à realização do Homem como pessoa (…), poderá também, eventualmente, ser reconhecida natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias”. Análise mais demorada exigirá agora a natureza, atrás referida, da garantia constitucional da propriedade enquanto garantia de instituto, objetivamente considerada. Na verdade, a “garantia” que vai reconhecida no n.º 1 do artigo 62.º tem uma importante dimensão insti- tucional e objetiva, que se traduz, antes do mais, em injunções dirigidas ao legislador ordinário. Por um lado, e negativamente, estará este proibido de aniquilar ou afetar o núcleo essencial do instituto infraconstitucional da “propriedade” (nos termos amplos atrás definidos). Por outro lado, e positivamente, estará o mesmo legislador obrigado a conformar o instituto, não de um modo qualquer, mas tendo em conta a necessidade de o harmonizar com os princípios decorrentes do sistema constitucional no seu conjunto. É justamente isso que decorre da parte final do n.º 1 do artigo 62.º, em que se diz que “a todos é garantido o direito à propriedade privada (…) nos termos da Constituição.” Assim, e apesar de a redação literal do preceito constitucional não conter, como é frequente em direito com- parado, uma referência expressa às funções que a lei ordinária desempenha enquanto instrumento de modelação do conteúdo e limites da “propriedade”, em ordem a assegurar a conformação do seu exercício com outros bens e valores constitucionalmente protegidos, a verdade é que essa remissão para a lei se deve considerar implícita na “ordem de regulação” que é endereçada ao legislador na parte final do n.º 1 do artigo 62.º, e que o vincula a definir a ordem da propriedade nos termos da Constituição. Tal vinculação não será, portanto, substancialmente diversa da contida, por exemplo, no artigo 33.º da Constituição espanhola (“É reconhecido o direito à propriedade privada (…). A função social desse direito limita o seu conteúdo, em conformidade com as leis.”); no artigo 42.º da Constituição italiana (“A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina o seu modo de aquisição, gozo e limites com o fim de assegurar a [sua] função social (…)”; no artigo 14.º da Lei Fundamental de Bona (“A propriedade e o direito à herança são garantidos. O seu conteúdo e limites são estabelecidos pela lei (…). O seu uso deve servir ao mesmo tempo os bens coletivos”. Embora a Constituição lhe não faça uma referência textual, existirá portanto, e também entre nós, uma cláu- sula legal da conformação social da propriedade, a que aliás terá aludido desde sempre a jurisprudência consti- tucional, ao dizer que “[e]stá tal direito de propriedade, reconhecido e protegido pela Constituição, na verdade, bem afastado da conceção clássica do direito de propriedade, enquanto jus utendi, fruendi et abutendi – ou na formulação impressiva do Código Civil francês (…) enquanto direito de usar e dispor das coisas de la manière la plus absolue (…). Assim, o direito de propriedade deve, antes do mais, ser compatibilizado com outras exigências constitucionais” (referido Acórdão n.º 187/01, § 14, citando anterior jurisprudência)». No caso em apreço, dos componentes que se identificaram supra como integrando o âmbito constitu- cional do direito de propriedade, está em causa o direito de não ser privado de bens próprios, que reveste natureza análoga ao regime dos direitos, liberdades e garantias e, nessa medida, beneficia, nos termos do artigo 17.º, da força jurídica conferida pelo artigo 18.º, ambos da Constituição. De facto, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, operou-se auto- maticamente a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil, com a consequente perda da titularidade do direito do senhorio, sendo este esquema jurídico aquisitivo do direito de propriedade o vetor nuclear do programa normativo nele precipitado e em que necessariamente se inscrevem, já na vigência de norma constitucional que proibia o regime de enfiteuse, as modificações aqui em questão, operadas em 1997. O regime constitutivo trazido pelas normas das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, introduzidas pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, carece, assim, de ser compreendido como meio de atuação do efeito aquisitivo estipulado no n.º 1 do mesmo preceito – com o correlativo

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