TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

544 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 10. Ora, também perante a extinção da enfiteuse, a privação do direito de propriedade do titular do domí- nio direto pela consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil apresenta credencial constitucional, decorrendo da ponderação do comando constitucional relativo à política agrícola constante do artigo 93.º, n.º 1, alínea b) , e, especificadamente, do disposto no artigo 96.º, n.º 2, ambos da Constituição. Dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 96.º ( ob. cit. , p. 1062): «O objeto desta norma consiste em reduzir e racionalizar as formas de exploração de terra alheia. Trata-se, por um lado, de suprimir várias formas tradicionais, designadamente as que implicavam a coexistência de diferentes direitos de caráter real sobre a terra (como era o caso do aforamento e da colonia) (…), formas essas que (…) não passavam de sobrevivências de relações pré-liberais de domínio e de produção agrícola (n.º 2); trata-se, por outro lado, de reclamar uma disciplina legislativa do arrendamento – o qual passa a ser verdadeiramente o único título de utilização de terra pertencente a outrem (ressalvadas as formas de utilização da terra expropriada no âmbito da reforma agrária: artigo 94.º-2)-, de harmonia com os objetivos e a perspetiva constitucional que preside à política agrícola (…)». E, em comentário ao artigo 93.º da Constituição ( ob. cit. , p. 1049): «Entre os vários intervenientes nas relações de produção agrícolas, a Constituição só cuida dos trabalhadores rurais e dos agricultores (n.º 1/b). Essa preferência traduz a prevalência dos interesses dos que «trabalham a terra» (mesmo preceito) e dos «cultivadores» (artigo 96.º-2) sobre os interesses dos proprietários fundiários, os quais cedem perante aqueles (artigos 94.º e 96.º). (…) Esta preferência pelo direito do trabalho e da exploração agrícola direta sobre o direito de propriedade fundiária bem como a proteção especial devida aos pequenos e médios agricultores (que são coerentes com os valores gerais da Constituição) não podem deixar de ser valorizadas no plano da interpretação das normas da «constituição agrí- cola» e do seu desenvolvimento legislativo.» Contudo, ao contrário do regime previsto para a remição da colonia (artigo 7.º do Decreto Regio- nal n.º 13/77/M, de 18 de outubro), para a remição do arrendamento rural (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de outubro) e para a abolição da enfiteuse relativa a prédios urbanos (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 233/76, de 2 de abril), no Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, determina-se a trans- ferência ope legis do domínio direto dos prédios para o titular do domínio útil (artigo 1.º, n.º 1), sem que se conceda, em termos gerais, ao titular do domínio direto qualquer indemnização – esta só está prevista nos casos em que o titular do domínio direto seja pessoa singular com rendimento mensal inferior ao salário mínimo mensal nacional (artigo 2.º, n.º 1) e, neste caso, a indemnização consistirá no pagamento anual, enquanto a pessoa for viva, de uma quantia em dinheiro igual a doze vezes a diferença entre o salário mínimo nacional e o seu rendimento mensal ou no pagamento do valor do foro quando este for inferior àquela quan- tia (n.º 2 do mesmo artigo). Ora, sendo desígnio constitucional a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil, com o consequente retirar do correlativo direito do titular do domínio direto, esta privação teria, necessariamente, de ser acompanhada da atribuição, a este, da devida e adequada prestação compensatória. Nos termos do Acórdão n.º 444/08, “(…) [D]o princípio estruturante do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP, colhe-se um direito geral à reparação dos danos, de que são expressão particular os direitos de indemnização previstos nos artigos 22.º, 37.º, n.º 4, 60.º, n.º 1, e 62.º, n.º 2, da CRP.» 11. Quanto à existência e âmbito de restrições carecidas de indemnização, importa referir o Acórdão n.º 331/99, que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 2, do Código

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