TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

546 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No mesmo sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmaram: “Note-se que, no caso da extin- ção dos aforamentos de prédios rústicos, não se previu qualquer tipo de indemnização do foreiro ao senhorio, tendo havido portanto um verdadeiro confisco do direito deste” ( ob. cit. , nota III ao artigo 96.º, p. 1063). A mesma opinião é perfilhada por Rui Medeiros: «Em contrapartida, em face do atual estatuto do direito de propriedade no texto constitucional em vigor, o sacrifício lícito do direito do proprietário em favor daqueles que exploram diretamente a terra dificilmente pode ser feito sem o pagamento de justa indemnização. Com efeito, sem entrar agora no problema da aplicação da lei constitucional no tempo (…), o artigo 62.º, n.º 1, da Constituição está consagrado com alcance geral, abrangendo, igualmente, os próprios meios de produção e a propriedade fundiária. (…) Numa palavra, independentemente do modo como se apresenta o sacrifício do direito de propriedade, a garantia constitucional da propriedade postula, em caso de expropriação, ainda que por utilidade particular, o pagamento de uma justa indemnização (…)» ( Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo II, 2006, nota IV ao artigo 96.º, p. 179). Na mesma linha, J. J. Gomes Canotilho e Abílio Vassalo Abreu afirmam: “(d)epois da Revisão Consti- tucional de 1989, que procedeu a uma reconstrução profunda da Constituição económica, qualquer inter- pretação das normas constitucionais deverá ter em conta que a “dimensão emancipatória inicial” se con- fronta hoje com os novos parâmetros de jurisdicidade constitucional. Qualquer interpretação legitimadora da transferência de propriedade ou, se se preferir, de medidas ingerentes no direito de propriedade com efeitos translativos de domínio, sem previsão das regras indemnizatórias, será, a nosso ver, uma interpretação em desconformidade com a Constituição” ( ob. cit. , p. 213). Também Bacelar Gouveia toma posição no mesmo sentido: «( … ) [N]ão se pode questionar a eliminação de um tipo de direito real, como foi a enfiteuse. Mas já é inad- missível que essa eliminação tivesse sido operada à custa do direito de propriedade do titular do domínio direto. II. Isso fica por demais evidente, no caso da enfiteuse rural, pelo facto de a abolição da enfiteuse fazer do enfiteuta o novo proprietário pleno sem que ao antigo titular do domínio direto seja atribuída qualquer significativa compensação pecuniária pelo efeito de extinção do seu limitado direito de propriedade. Tal apenas sucede marginalmente quando o titular do domínio direto é uma pessoa singular e apenas tem um rendimento equivalente ao salário mínimo… Ora, estão aqui reunidos os pressupostos de uma violação de um direito real de propriedade, onerado pelo direito de enfiteuse, constitucionalmente intolerável à luz da garantia do direito de propriedade: – por um lado, o efeito ablativo do direito, ou seja, a extinção do direito de propriedade, que consistia na titularidade do domínio direto; – por outro lado, a ausência de qualquer contrapartida por parte de quem ficou avantajado com esse desa- parecimento, o antigo enfiteuta e novo proprietário pleno, nem sequer se descortinando um interesse público relevante. III. Uma vez que o efeito da violação do direito de propriedade privada deriva do próprio ato legislativo, pro- manado pelo Estado Português, é-lhe diretamente assacável a inconstitucionalidade material, na medida em que a desapropriação do direito de propriedade não vem acompanhada de qualquer indemnização e essa consequência é perpetrada pelo ato legislativo em causa. Trata-se de uma exigência da defesa constitucional da propriedade privada, pois que todo e qualquer ato ablativo da propriedade – seja pública, seja privada – tem de ser acompanhado não apenas pelos fundamentos justificativos como por uma contemporânea e justa indemnização» ( ob. cit. , pp. 35-37).

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