TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

547 acórdão n.º 786/14 Ora, presente tal vício no regime do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, a modificação legisla- tiva operada em 1997, na medida em que veio permitir a constituição de relação de enfiteuse de acordo com regras inovadoras, dando assim novo campo subjetivo de atuação à consolidação ope legis da propriedade no titular do domínio útil, mas manteve inalterado o regime compensatório, não pode deixar de ser objeto de idêntico juízo de censura jurídico-constitucional. Seguramente, a dimensão normativa em análise comporta a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil sem que se conceda, em termos gerais, ao titular do domínio direto uma “justa indemnização”: usando a expressão de J. J. Gomes Canotilho e Abílio Vassalo Abreu, a normação questionada “transporta no seu bojo um ‘confisco’ ou, se se preferir, uma ‘expro- priação sem indemnização” para fins particulares, infringindo o âmbito de proteção do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República. 13. Concluindo-se pela prolação de julgamento de inconstitucionalidade por infração da garantia cons- titucional específica do direito de propriedade constante do n.º 2 do artigo 62.º da Constitucional, não se justifica prosseguir com a apreciação das normação desaplicada face aos princípios estruturantes também considerados infringidos na decisão recorrida. III – Decisão 14. Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucionais as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto- -Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, na medida em que aí se estabelece um regime de constituição de enfiteuse por usucapião, o qual, con- jugado com o regime de consolidação dos domínios útil e direto decorrente da abolição da figura, opera a translação da propriedade plena, sem atribuição, em termos gerais, de indemnização; b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 12 de novembro de 2014. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano (vencido pelas razões constantes da declaração que junto). DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Na presente ação foi pedido, em primeiro lugar, que fosse reconhecida a constituição a favor dos Autores do domínio útil da enfiteuse sobre determinadas parcelas de terreno e, em segundo lugar, que fosse reconhecido que os Autores são proprietários daquelas parcelas, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março. Após o Tribunal da Relação ter revogado a sentença que na 1.ª instância havia julgado procedente estes pedidos, julgando improcedente a ação, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão confirmando a orientação do Tribunal da Relação. Nesse aresto que é a decisão aqui recorrida entendeu-se o seguinte «Pelo quanto dissemos, o Decreo-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, ao abolir a enfiteuse a que estavam sujei- tos os prédios rústicos, e ao conferir ao titular do domínio direto o domínio útil, atribuindo ao titular deste uma indemnização desrazoável e discriminatória, uma vez que apenas foi legalmente prevista para os casos em que o

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=