TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

549 acórdão n.º 786/14 titular do domínio direto, um direito de indemnização por essa transmissão forçada, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, entendi que é necessário efetuar uma fiscalização autónoma da norma extraída dos n. os  4 e 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação das Leis n. os  22/87, de 24 de junho (o n.º 4), e 108/97, de 16 de setembro (o n.º 5), segundo a qual é possível reconhecer neste momento a constituição de um direito de enfiteuse por usucapião, o que o presente Acórdão não faz. 2. A decisão recorrida defendeu que admitir-se a constituição da enfiteuse, por usucapião, estabelecendo assim, retroactivamente, um meio de aquisição de um direito constitucionalmente proibido, violava essa proibição. Saliente-se que a inconstitucionalidade apontada não incide sobre uma leitura do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação da Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, segundo a qual os pressupostos da aquisição por usucapião do direito do enfiteuta seriam menos exigentes que os pressupostos gerais desse modo de aquisição de direitos, cobrindo situações em que o corpus e o animus da posse não respeitavam necessariamente ao exercício do domínio útil do enfiteuta, mas sim ao gozo próprio de uma relação arrendatícia (vide, sobre esta questão, Gomes Canotilho e Vassalo de Abreu, em “Enfiteuse sem extinção. A propósito da dilatação legal do âmbito do instituto enfitêutico”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 140.º, p. 206 e seg., e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de outubro de 2014, proferido no processo n.º 5658/07.7TBALM.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt ) , a qual não estava em causa na situação sub iudice ; a questão de constitucionalidade que aqui se coloca é tão só a de saber se a pos- sibilidade de alguém, atualmente, ainda poder adquirir um direito desse tipo, por usucapião, viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente a proibição constante do n.º 2 do artigo 96.º da Constituição.  A enfiteuse, com origem no direito romano e com prevalência na Idade Média, perdurou no nosso ordenamento jurídico, através da sua consagração, primeiro no Código de Seabra e depois, após acesa dis- cussão sobre a sua utilidade durante os trabalhos preparatórios, no Código Civil de 1966, com algumas alterações de regime. Após a Revolução de abril de 1974, o Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, diploma pré-consti- tucional, viria a abolir a enfiteuse, com a seguinte fundamentação: “Através da forma jurídica da enfiteuse têm continuado a impender sobre muitas dezenas de milhares de pequenos agricultores encargos e obrigações que correspondem a puras sequelas institucionais do modo de pro- dução feudal. Com efeito, encontram-se ainda hoje extremamente generalizados os foros, podendo referir-se que só o Estado, segundo estimativas feitas pela Direção-Geral da Fazenda Pública, é titular de domínios diretos que atingem cerca de 400 000, ultrapassando o seu valor 1 milhão de contos. Uma política agrária orientada para o apoio e a libertação dos pequenos agricultores não pode deixar de inte- grar a liquidação radical de tais relações subsistentes no campo.” O legislador ordinário antecipou-se à aprovação do texto constitucional e, tendo por objetivo a eman- cipação dos enfiteutas, procedeu à transferência ope legis do domínio direto para o titular do domínio útil, concentrando na esfera jurídica deste a propriedade plena sobre os prédios sujeitos àquele regime, através da “expropriação” do domínio direto que cabia ao senhorio, em favor do enfiteuta. Deste modo pretendeu-se banir uma “forma jurídica que fizera impender sobre milhares de pequenos agricultores encargos e obrigações que não correspondiam senão a puras sequelas institucionais do modo de produção feudal” (Rui Marcos, em “O regresso da enfiteuse”, em “O sistema contratual romano. De Roma ao direito atual”, edição especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , de 2010). Foi nessa linha que a Constituição de 1976 (artigo 101.º, n.º 2, da versão original que corresponde ao atual artigo 96.º, n.º 2), ao dispor sobre as formas de exploração de terra alheia, determinou a proibição dos regimes de aforamento, assim designando a enfiteuse (artigo 101.º, n.º 2, da versão original). Considerou-se

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