TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

575 acórdão n.º 827/14 Tal cumulação, como já se referiu, visa “impedir que o trabalhador possa estar mais de um ano em situa- ção de trabalho consecutivo” sem qualquer interrupção para gozo de férias. Do regime analisado, resulta igualmente que todos os trabalhadores usufruem dos mesmos direitos referentes ao ano de cessação do contrato, resultantes da antecipação do vencimento do direito a férias que se foi formando durante esse ano. Verifica-se, ainda, por outro lado, que o invocado tratamento desigual entre os trabalhadores que ces- sam o contrato de trabalho no ano civil subsequente ao ano da admissão e aqueles que mantêm o vínculo ocorre, porém, quando estes se encontram em situações de facto substancialmente diferentes: uns cessaram o contrato; outros mantêm o vínculo. Assim sendo, não se encontrava o legislador perante uma situação de rigorosa paridade que o obrigasse a um tratamento jurídico igualitário. A distinção a que a norma procede não é irrazoável, antes apresentando um fundamento material. E não cabe a este Tribunal sindicar a bondade ou acerto de tal opção legislativa, que se situa no âmbito da liberdade de conformação do legislador ordinário. Ainda que se considerasse que a solução escolhida corresponde a um “entorse introduzido no sistema”, como refere Leal Amado, caberia ao legislador ordinário optar por introduzir ou não medidas corretivas. Aparentemente, foi esta última a sua intenção ao aprovar a revisão do Código do Trabalho, através da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que, em conformidade com a Exposição de Motivos da respetiva proposta de lei, prevê uma nova regra de cálculo do cômputo total das férias ou da correspondente retribuição a que o trabalhador tenha direito, nos casos de cessação de contrato no ano civil subsequente ao da admissão, a qual se encontra plasmada no artigo 245.º, n.º 3. Nestes termos, conclui-se, à semelhança do que se fez no Acórdão n.º 10/95 – a propósito de norma também relativa ao direito a férias – que “não se vê que os trabalhadores (ou os empregadores) colocados na mesma situação de facto recebam da norma em apreço qualquer tratamento discriminatório: todos eles são tratados por igual. A distinção de tratamento que a norma consente arranca sempre de diferentes situações de facto em que os trabalhadores (ou empregadores) se encontram”. 10. O recorrente invoca ainda a violação do princípio da proporcionalidade, face a um alegado excesso da medida dos direitos conferidos aos trabalhadores, em resultado da norma em apreciação. É certo que invoca tal princípio sobretudo a propósito de uma dimensão afastada da discussão destes autos – pelas razões já aduzidas – atinente à cumulação do direito a férias, relativo ao ano da cessação, e do direito a férias, resultante da celebração imediata ou quase imediata de novo contrato de trabalho com outra entidade patronal. Parece, assim, associar o recorrente a ideia de desproporcionalidade a uma quebra do equilíbrio da rela- ção entre o trabalhador e o empregador, em virtude da tutela acrescida do trabalhador. Mas a circunstância de a proximidade entre a admissão e a cessação do contrato determinar uma con- centração temporal do vencimento dos diferentes direitos a férias, não implica um juízo de inconstituciona- lidade. A norma em questão modela o direito a férias periódicas pagas invocado pela trabalhadora, contem- plado no artigo 59.º, n.º 1, alínea d) , da Constituição. Ao conformar este direito, o legislador afeta a posição subjetiva do empregador, comprimindo a sua liberdade de iniciativa económica privada [artigo 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c) , da Constituição]. Embora ambos integrem a categoria dos direitos fundamentais, constituindo, por isso, garantias consti- tucionalmente consagradas, a verdade é que as normas que os estabelecem têm natureza e determinabilidade constitucional de conteúdo diverso. Mas, mais do que isso, a própria Constituição admite uma ampla margem na conformação legislativa da liberdade de iniciativa económica. Esta exerce-se nos “quadros definidos pela Constituição e pela lei tendo em conta o interesse geral”, podendo ser afetada, entre outros, pela realização dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente consagrados, não ficando as relações de trabalho na disposição soberana de quem exerce

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