TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

599 acórdão n.º 845/14 a reajustamentos, maiores ou menores, na estrutura das carreiras do funcionalismo público, de acordo com as exigências do interesse público. Ou seja, o legislador pode redefinir a organização administrativa dos serviços públicos, no sentido de reordenar ou mesmo reconstruir as carreiras dos funcionários. (…)» O mesmo é dizer, então, que no âmbito de proteção do direito (fundamental) de acesso à função pública não se integra um direito à progressão “automática” na carreira, visto que o legislador ordinário dispõe de considerável liberdade na conformação e estruturação das carreiras dos trabalhadores da administração pública. Neste sentido, a proporcionalidade da suspensão dos mecanismos automáticos de progressão nas carreiras reclama um controlo judicial cuja intensidade e deferência hão de ter em atenção a circunstância de os preceitos em crise não se configurarem como autênticas restrições a direitos, liberdades e garantias, e de o direito (de base legal) dos magistrados do Ministério Público à progressão automática não ter sido, atenta a natureza temporária da medida, totalmente aniquilado. Por outro lado, as medidas em crise emergem como resposta transitória à necessidade de travar a ascen- são da despesa pública, não escondendo, porém, intenções extrafinanceiras, no sentido de combater aquilo que, no entender do legislador, consiste no “elevado grau de automatismo de evolução nas carreiras”. 7.1.3. Ora, que se trata de uma medida idónea para fazer face à intenção de conter a despesa pública é algo que resulta evidente. Há que conceder, também, quanto à sua exigibilidade ou necessidade, lançando mão do “crédito de confiança” devido ao legislador em matérias economicamente complexas, em que a objetividade dos juízos e das suas alternativas é naturalmente controversa. A maior deferência no escrutínio permite concluir pela razoabilidade da medida no quadro de um vasto conjunto de soluções de onerosidade variável, algumas delas adotadas posteriormente, já na vigência do PAEF ( v. g. , o corte nas remunerações ou a suspensão do subsídio de férias e de Natal dos trabalhadores ativos do setor público).  Finalmente, não se afigura existir uma desproporção evidente entre “a via que foi escolhida para a rea- lização do interesse público e a medida de realização desse mesmo interesse” (vide Maria Lúcia Amaral, A forma da República, reimpressão da 1.ª edição, Coimbra Editora, 2012, p. 189). Esta asserção resulta não só da “qualidade” legal da posição jurídica subjetiva lesada e do caráter transitório da ablação introduzida, mas também do facto de, aliadas a uma intenção financeira preponderante, estarem igualmente considerações de justiça – respaldadas no objetivo de pôr termo ao excessivo automatismo das carreiras – circunstância que reforça o peso de que se reveste o interesse público na equação desenhada. 7.2. Juízo de sentido idêntico vale, também, para a segunda questão colocada. Com efeito, atentos os desenvolvimentos relatados, qualquer tentativa de extensão automática ou quase automática dos fundamentos da inconstitucionalidade material vertidos no Acórdão n.º 620/07 às normas constantes da Lei n.º 43/2005 carece, à partida, de qualquer sentido. Isto porque, uma vez redefinidos os objetivos inerentes àquele diploma legal nos termos expostos supra, avulta explicitamente a diferença material e funcional subjacente às medidas postas em marcha em 2005 e 2008, respetivamente, e as possíveis repercussões dessa dissonância no escrutínio de constitucionalidade a que se acham presentemente submetidas as primeiras. Assim sendo, há que indagar se a aplicação aos magistrados do Ministério Público, a título transitório e com o objetivo de conter imediatamente a ascensão dos níveis de despesa pública, de medidas de não conta- gem do tempo de serviço e de congelamento de suplementos remuneratórios é suscetível de lesar as garantias de autonomia e de estatuto próprio que lhes são conferidas pelo artigo 219.º, n.º 2, da CRP. Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que o Ministério Público é um órgão constitucional de administra- ção da justiça, dotado de autonomia e independência, características que, muito embora com especificidades, o aproximam dos tribunais. Aquela autonomia concretiza-se através de um estatuto jurídico-subjetivo próprio,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=