TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

60 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9.º E teremos de interpretar a lei de acordo com o sistema em que ela se insere, para além dos restantes aspetos conjunturais e de circunstância em que a mesma é emanada, como estatui o artigo 9.º do Código Civil, para lhe descobrir o espírito, ou a sua ratio . 10.º É certo, também, que a Proposta de Lei que veio a dar origem à Lei n.º 68/2013, na sua exposição de motivos invoca a aplicação de um mesmo período normal de trabalho a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, visando, igualmente, alcançar uma maior convergência entre os setores público e privado, “passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo”. 11.º Ora, para que os trabalhadores do setor público passem a estar sujeitos ao período normal de trabalho que vem sendo praticado no setor privado, e em cumprimento do supracitado ditame constitucional, é preciso entender que, sem embargo do elemento verbal expressamente utilizado pelo legislador, o que na realidade se instituiu através da Lei n.º 68/2013, na matéria em apreço, foi um limite, ou seja, um extremo, de duração do período normal de trabalho na função pública que, efetivamente, passou para as oito horas diárias e quarenta semanais. 12.º Na realidade, só esta leitura permite alcançar um ponto de conformidade entre o direito constituído e a Constituição da República e entre aquele regime e o todo do sistema jurídico considerado na sua unidade e harmonia, bem como a equidade entre a situação jurídica dos trabalhadores do setor público e os do setor privado, em consonância com a anunciada convergência entre ambos. 13.º E de equidade haverá, na verdade, que também falar, visto que, pretendendo-se fazer convergir os regimes dos trabalhadores do setor público e do setor privado, neste caso, em matéria de limites da duração do trabalho, não poderá entender-se que, tendo aqueles últimos um regime que estabelece o período normal de trabalho em função das oito horas diárias e quarenta semanais, definidas como limite máximo, seja no caso dos trabalhadores da função pública definido tal horário não como limite máximo, mas sim, como imposição rigidamente estabelecida, o que violaria o princípio da igualdade de tratamento perante a lei, estabelecido no artigo 13.º da Constituição da República, discriminando os trabalhadores da função pública em relação aos do setor privado, o que, certamente, não só não foi a intenção do legislador, como não é, até porque não pode ser, essa a ratio legis presente à Lei n.º 68/2013, na matéria em causa. 14.º Em consequência, a prevalência e imperatividade da alteração introduzida pela Lei n.º 68/2013, rela- tivamente ao limite de duração do período normal de trabalho, ambas estatuídas no artigo 10.º da dita Lei, não são, de todo o modo, impeditivas da prática de horários que se incluam naquele limite máximo, como de resto, também sucede no setor privado. 15.º Além do mais, determina o n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 68/2013 que a existência de períodos normais de trabalho superiores ao previsto na dita Lei é admitida nos termos do previsto em diploma próprio, o que evidencia, textualmente, que podem existir períodos de horário normal de trabalho diferentes, neste caso para mais, dos definidos na dita Lei n.º 68/2013. 16.º Assim, os casos legalmente admitidos de períodos normais de trabalho superiores aos ali previstos terão de ser conformes ao determinado em diploma próprio, o que bem se compreende, pois serão situações em que se mostra excedido o limite máximo do período normal de trabalho estabelecido, em geral, para a função pública, não obstante, não está vedado em lado algum, designadamente, na Lei n.º 68/2013, a adoção, em concreto, de horários que caibam no dito limite definido pela Lei n.º 68/2013, de oito horas diárias e quarenta semanais. 17.º E na verdade, haverá sempre situações, mesmo no âmbito do regime previsto a nível nacional, em que o horário normal será inferior aos limites impostos de oito horas diárias e de quarenta semanais, como acontece, por exemplo, nas situações de dispensas para amamentação ou das reduções de horário inerentes ao estatuto do trabalhador estudante, legalmente admitidas, respetivamente, pelos artigos 47.º e 90.º, ambos do Código do Trabalho, aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas nos termos do artigo 22.º da parte preambular da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, e do artigo 8.º-B aditado a este diploma legislativo pela Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro.

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