TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

612 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de documentos particulares a que a lei atribuiu expressamente força executiva na exequibilidade do título de que se muniram; da análise da evolução da legislação em matéria de ação executiva, e em especial no que respeita à definição dos títulos executivos, é de concluir que o legislador atuou de forma a gerar nos particulares expetativas de continuidade que os determinaram à realização de planos de vida, pressupondo a continuidade do comportamento estadual, sendo facilmente dedutível que os credores que aceitaram os documentos particulares assinados pelos devedores como garantias dos seus créditos, dotadas de exequibilidade, determinaram os seus atos/negócios na convicção de que o legis- lador manteria as regras por si criadas, não retirando aos aludidos documentos, imprevisivelmente, a natureza que possuíam à data da sua constituição. V – A opção legislativa por um elenco mais modesto dos títulos executivos valoriza a segurança jurídica e corporiza um interesse público legítimo e relevante, tanto mais quando não é possível ignorar que a exequibilidade dos documentos particulares, nos moldes que resultavam da anterior redação do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) , do Código de Processo Civil, potencia o risco de interposição de execuções por quem não seja titular de um direito de crédito, pelo que, mesmo considerando a maior morosidade no exercício do direito de crédito que ela acarreta em prejuízo da sua eficácia, a solução encontrada estabelece um compromisso entre celeridade e segurança, que respeita os limites da liberdade de con- formação do legislador, traduzindo-se a restrição ao direito de ação que a norma em análise implica tão-só na eliminação da via executiva como via imediata de satisfação do crédito, subsistindo sempre a via geral do processo de declaração, além da via simplificada do processo de injunção. VI – Porém, a questão de constitucionalidade que é suscitada não reside na limitação do elenco dos títulos executivos, mas na aplicação do novo elenco legal dos títulos executivos aos documentos constituídos no passado e que anteriormente eram dotados de força executiva, sendo no confronto entre o interesse público em evitar execuções injustas e o interesse particular em manter a força executiva do documen- to que titula o crédito que se joga a apreciação da proporcionalidade da solução encontrada. VII – No juízo de ponderação que é imposto pela proteção da confiança, confronta-se e valora-se o efeito negativo sobre o interesse do credor particular (que pode ficar sem possibilidade de fazer valer o seu crédito), com um interesse público, que pode ser alcançado por outras medidas legislativas e segura- mente também num horizonte temporal mais alargado; a solução justa desta ponderação, feita à luz do princípio da tutela da confiança, impõe que a implementação da medida se faça de forma dife- rida no tempo, pois, aplicá-la de imediato, é ultrapassar, de forma excessiva, a medida de sacrifício imposto aos interesses particulares atingidos, uma vez que bastaria a previsão de um regime transitório adequado para acautelar as expetativas legítimas dos titulares de títulos executivos que perderam essa natureza, sem descurar o interesse público que reside na eliminação de execuções injustas. VIII– Conclui-se, assim, que a aplicação imediata e automática da solução legal ínsita na conjugação dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, de que decorre a perda de valor de título executivo dos documentos particulares que o possuíam à luz do Código de Processo Civil revogado, sem um disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação, é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da proteção da confian- ça ínsito no princípio do Estado de direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição.

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