TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

613 acórdão n.º 847/14 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., recorrido nos presentes autos em que figura como recorrente o Ministério Público, propôs uma ação executiva tendo por base uma confissão de dívida assinada pelo executado. 2. O tribunal recorrido (Vara de Competência Mista de Coimbra) recusou a aplicação «dos artigos 703.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na interpretação de que aquele artigo 703.º do CPC se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961». Fundamenta-se a decisão recorrida essencialmente nos seguintes argumentos: a eficácia retroativa da lei processual é admitida, designadamente, através da consagração de disposições transitórias. A eliminação do elenco dos títulos executivos dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor, constitui uma alteração no ordenamento jurídico que não era previsível. Se à data em que tais documentos foram constituídos eles eram dotados de exequibilidade, é de esperar alguma constância no ordenamento no âmbito da segurança jurídica constitucionalmente consagrada. Daí que os titulares de documentos particulares constituídos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que tinham a caraterística da exequi- bilidade conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do velho Código, tivessem uma legítima expetativa da manutenção da anterior tutela conferida pelo Direito. Por conseguinte, a aplicação retroativa do artigo 703.º do novo CPC a títulos anteriormente tutelados com a caraterística da exequibilidade, constitui uma consequência jurídica demasiado violenta e inadmissível no Estado de direito democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expetativas legítimas e juridicamente criadas. Os fins que se visam alcançar com a eliminação dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos não constituem razões de tal forma ponderosas para o bem comum coletivo que justifiquem o sacrifício das legítimas expeta- tivas de, muito provavelmente, um número significativo de cidadãos que se limitou a agir de acordo com a lei vigente, na altura, confiando que a sua atuação estaria protegida pelo Estado de direito. Concluiu-se, então, na decisão recorrida que a norma do artigo 703.º do novo CPC, quando conjugada com o artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da caraterística de exequibilidade, conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior CPC viola o princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de direito democrático. 3. Em face dessa decisão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitu- cional, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC). 4. Notificadas as partes para o efeito, veio o Ministério Público apresentar alegações com as seguintes conclusões: «[…] 50. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor do douto despacho reproduzido a fls. 13 a 15 dos presentes autos, proferido pela Vara de Competência Mista de Coimbra – 2.ª Secção, “nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, a) , 72.º, n.º 1, a) e n.º 3, 75.º-A, n.º 1 e 78.º, n.º 4 da Lei n.º 28/82 de 15-11 (…)”. 51. Este recurso tem por objecto “a apreciação da constitucionalidade material das normas – cuja aplicação foi, por inconstitucionalidade, recusada pela decisão mencionada – dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e

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