TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

614 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26-06, na interpretação de que aquele artigo 703.º do CPC se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, c) do CPC de 1961”. 52. O parâmetro constitucional da desconformidade declarada é o invocado na douta sentença recorrida, ou seja, o “princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático”. 53. O legislador ordinário, autor da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, ao alterar o Código de Processo Civil – na parte que nos importa – em matéria de espécies de títulos executivos, decidiu excluir do seu elenco os “docu- mentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecu- niárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”, retirando-lhes, com efeito – em nosso entender – retrospectivo, a exequibilidade que os caracterizava à data da sua constituição. 54. Esta mudança de natureza ocorreu, de acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 6.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, com a verificação do facto complexo consistente na conjugação da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil com a não instauração de execução fundada no título executivo entretanto descaracterizado. 55. A interpretação normativa sob escrutínio, embora não se inclua na categoria da retroactividade autêntica, é – na medida em que pretende reger para o futuro mas atinge situações, posições e relações jurídicas presentes, gera- das no passado e ainda não terminadas –, de natureza, indubitavelmente, retroactiva inautêntica ou retrospectiva. 56. Encontrando-se a aludida interpretação normativa excluída do campo dos “casos de retroatividade proibida expressamente previstos na Constituição”, vem, o Tribunal Constitucional, lançando mão, para apreciar as restan- tes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica, de um juízo-ponderação que “assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”. 57. Para a aferição da conformidade das normas infraconstitucionais com o princípio paramétrico da protecção da confiança, vertente subjectiva do princípio da segurança jurídica, e para que seja devida a sua tutela, exige o Tribunal Constitucional que se reúnam dois pressupostos essenciais: “a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegi- dos que devam considerar-se prevalecentes (…)”. 58. No caso vertente, verifica-se, pelo recurso ao teste dos requisitos de preenchimento de tais pressupostos, que ocorreu uma violação do referido princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente subjectiva de princípio de protecção da confiança. 59. Em primeiro lugar, o Estado-legislador produziu normação, ao longo das últimas décadas, coerente e con- sistentemente, no sentido da persistente redução dos “requisitos de exequibilidade dos documentos particulares”. 60. Em segundo lugar, tal comportamento, atenta a sua persistência, criou nos cidadãos a convicção da manu- tenção do arbítrio estatal sobre os requisitos do título executivo e, fundamentalmente, da sua não reversibilidade, tornando, consequentemente, imprevisível a inversão conceptual originada com a publicação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. 61. Por outro lado, comprova-se que os cidadãos fizeram planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual», uma vez que, se assim não fosse, muitos dos credores que são, pre- sentemente, titulares de um mero documento particular (assinado pelo devedor, e que importe constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes), que à data da sua constituição consubstanciava título executivo, poderiam, oportunamente – caso fosse previsível a alteração legislativa sob escrutínio –, ter obtido, dos

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