TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

615 acórdão n.º 847/14 devedores, a subscrição de documento formalmente mais exigente ( maxime documento exarado ou autenticado por notário), cuja exequibilidade não seria, assim, eliminada. 62. Por fim, inexistem razões de interesse público que justifiquem a aplicação retrospectiva da mutação na ordem jurídica decidida pelo Estado-legislador. 63. Efectivamente, os motivos da alteração legislativa, extraíveis da “Exposição de motivos” da Proposta de Lei n.º 113/XII, sempre poderiam ser compatibilizados, sem prejuízo perspetivável, com um regime transitório que se limitasse a não retirar a qualidade de título executivo aos documentos que, no domínio da lei anterior, a tinham adquirido, o que, no confronto com o princípio constitucional da proporcionalidade, viola o subprincípio da exigibilidade ou da suficiência. 64. Por outro lado, a mutação da ordem jurídica também soçobra perante o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, fundamentalmente porque a eliminação de um direito condicionante do acesso ao processo exe- cutivo – emanação do direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva –, sendo admissível, para a prossecução dos legítimos objectivos de política legislativa – desde que embasada nos limites da liberdade de conformação do legislador –, já não o é, extravasando os limites do razoavelmente aceitável, quando – sem fundada justificação e para atingir fins não consagrados constitucionalmente –, opera retrospectivamente, extinguindo-o, apesar de já consolidado na esfera jurídica do seu titular. 65. Em face do ora expendido, deverá o Tribunal Constitucional julgar materialmente inconstitucional a inter- pretação normativa conjugada dos preceitos contidos nos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, no sentido de que a primeira das disposições mencionadas se aplica a docu- mentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, e então exequíveis por força do previsto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c) , do Código de Processo Civil de 1961, por violação do princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente subjectiva de princípio de protecção da confiança. Nos termos do acabado de explanar, deverá o Tribunal Constitucional negar provimento ao presente recurso, assim fazendo a costumada justiça». Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação a) Delimitação do recurso 5. O recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – ou seja, trata-se do recurso da decisão de um tribunal que recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconsti- tucionalidade. 6. A norma que está em causa resulta da conjugação do disposto no artigo 703.º do CPC com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. A redação do artigo 703.º do CPC aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho é a seguinte: «1 – À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com com- petência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva».

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