TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

616 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A redação do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho é a seguinte: «O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente a títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às exe- cuções iniciadas após a sua entrada em vigor». Por revelar também interesse para a discussão dos autos, reproduz-se, ainda, o texto da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do Código de Processo Civil, na redação revogada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho: «1 – À execução apenas podem servir de base: (…) c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; (…)» 7. O tribunal a quo desaplicou a norma em causa por violação do princípio da segurança e proteção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito democrático, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Fê-lo por considerar que existiu uma alteração na ordem jurídica com a qual o exequente não poderia razoavelmente contar e ausência de razões ponderosas para o bem comum que justifiquem o sacrifício das legí- timas expetativas dos titulares de documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor, pelo que se trata de uma alteração demasiadamente violenta e geradora de uma insegurança jurídica inaceitável. b) Enquadramento da questão 8. A questão controvertida nos autos surge na sequência da publicação do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que eliminou do elenco dos títulos executivos os «documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obriga- ções pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto». Esta altera- ção resulta das disposições conjugadas do artigo 703.º do novo Código, com o n.º 3 do artigo 6.º da Lei que o aprovou. Anteriormente, aqueles documentos eram dotados da característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior Código. Estamos, assim, diante de um problema resultante da sucessão no tempo de leis processuais, mais con- cretamente ainda, a questão centra-se na eliminação do elenco legal dos títulos executivos deste tipo de documentos. 9. Constituindo «a chave que abre a porta da ação executiva», na conhecida expressão de Castro Men- des, o título executivo constitui um pressuposto processual específico da ação executiva. Sem ele não pode ser instaurada, ou prosseguir, a ação executiva para cumprimento coercivo das obrigações. O direito à execução é um direito que se dirige contra o Estado, constituindo uma manifestação do direito público de ação, enquanto direito à tutela jurisdicional efetiva. Na expressiva formulação de Crisanto Mandrioli, trata-se do «direito à tutela jurisdicional mediante execução forçada» (vide José Lebre de Freitas, A Ação Executiva – à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 6.ª edição, p. 83). Enquanto direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias, o direito de acesso aos tribunais beneficia do regime de proteção do artigo 18.º da Constituição, designadamente do princípio da proibição da aplicação retroativa de leis restritivas (n.º 3).

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