TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

617 acórdão n.º 847/14 10. O regime transitório contante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, estabelece que o regime relativo a títulos executivos contante do novo CPC apenas se aplica «às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor». Tratando-se de uma alteração legislativa que se aplica apenas aos processos de execução iniciados após a sua entrada em vigor, repercute-se apenas para o futuro. Por via dela não é retirado caráter executivo a títulos que tenham produzido já a sua eficácia executiva, não sendo atingidos processos de execução baseadas em títulos que deixaram de o ser. Nessa medida, não colide com o princípio da proibição da aplicação retroativa de leis restritivas do direito de acesso aos tribunais, decorrente do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição. No entanto, visando apenas futuros processos de execução, a alteração legislativa em referência tem aplicação imediata: do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, resulta que a enumeração dos títulos executivos constante do artigo 703.º do novo Código de Processo Civil produz efeitos de imediato, sem limitação ou regime transitório. Isto significa que os títulos executivos formados antes da entrada em vigor do novo diploma, na vigência do Código anterior, que não constem desta nova enumeração, perdem o seu valor de base de execução. Assim, a alteração legislativa em presença tem como consequência que um credor munido de docu- mento particular, legalmente dotado de exequibilidade no momento da sua constituição, veja subsequente- mente eliminada a natureza de título executivo do referido documento, frustrando o seu direito (anterior- mente reconhecido) de, com base nesse título, poder aceder, imediatamente, em caso de incumprimento por parte do devedor, à ação executiva. Em conformidade, o que importa verificar é se esta aplicação imediata e para o futuro da exclusão do elenco dos títulos executivos dos documentos que tinham essa característica nos termos do artigo 46.º do CPC antigo afronta qualquer princípio constitucional. c) Análise da questão 11. A alteração normativa em presença caracteriza-se pela aplicação para o futuro a situações de facto e relações jurídicas presentes. Nestes casos, ainda que a nova regulação jurídica não substitua ex tunc a disciplina normativa existente, ela acaba por atingir posições jurídicas ou garantias geradas no passado e relativamente às quais os respetivos titulares formaram legítimas expetativas de não serem perturbados por um regime jurídico inovador. Trata-se da situação que a doutrina classifica de «retroatividade inautêntica» ou «retrospetiva». É certo que o legislador pode legislar inovatoriamente, estando habilitado a alterar a lei processual ( i. e. , a lei por que se regem processos judiciais), mesmo quanto a pressupostos processuais ou a legitimidade ativa relativamente a factos passados, dentro de certos limites. De facto, não havendo «um direito à não-frustração de expetativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (Acórdão n.º 287/90, disponível, tal como os demais citados, e m www.tribunalconstitucional.pt ), b em se compreende, que o juízo da conformidade constitucional destes casos «dependerá essencialmente de uma ponderação de bens ou interesses em confronto» (J. Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 266). 12. Numa situação como a objeto do presente processo um dos limites constitucionais à atuação do legislador é o princípio da segurança jurídica ou ao princípio da proteção da confiança. Com efeito, apesar de o texto da Constituição não aludir expressamente a este princípio, ele é pacificamente dedutível do princípio do Estado de direito consagrado no seu artigo 2.º A afirmação deste princípio significa que, num Estado de direito, a atuação dos poderes públicos deve ser previsível e confiável. Como o Tribunal Constitucional também salientou, no Acórdão n.º 862/13: «A proteção da confiança é uma norma com natureza principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da CRP. Enquanto

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