TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

618 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança – o da proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes. Sustentado no princípio do “Estado de direito democrático”, o seu conteúdo tem sido construído pela jurispru- dência, em avaliações e ponderações que têm em conta as circunstâncias do caso concreto». As componentes subjetivas da segurança exigem «calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 2003, p. 257). Só a perspetivação do futuro permite a organização do plano de vida de cada um. Conforme vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional «fora dos casos de retroatividade proi- bida expressamente previstos na Constituição, o juízo-ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expetativas que a elas são juridicamente cria- das”. Neste sentido, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança (…), terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr. Acórdão n.º 556/03)» (Acórdão n.º 355/13). 13. A questão que deve ser colocada é, então, saber se a norma em causa afeta, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa direitos ou expetativas legitimamente fundadas dos cidadãos, tra- duzindo uma violação daquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito – i. e. uma violação do princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da CRP (cfr., v. g., Acórdãos do Tribunal Consti- tucional n. os 11/83, 10/84, 287/90, 330/90, 486/96, 559/98, 556/03, 128/09, 188/09, 399/10, 3/2011, 396/11 e 355/13). A jurisprudência do Tribunal Constitucional definiu os critérios para aferir se a afetação da confiança legítima dos cidadãos em causa é ou não constitucionalmente admissível (cfr., por exemplo, os Acórdãos n. os 287/90, 303/90, 399/10, 396/11 e 355/13). Seguindo a metodologia adotada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, importa começar por formular um juízo sobre a legitimidade das expetativas dos cidadãos visados. Neste âmbito, é necessário que i) as expetativas dos particulares sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, que ii) o Estado (em especial, o legislador) tenha atuado de forma a gerar nos particulares expetativas de continuidade, e que iii) os particulares tenham feito planos de vida tendo em conta essa expetativa de continuidade de comporta- mento estadual materializados ou traduzidos em atuações concretas (cfr. Acórdão n.º 355/13). Confirmada a legitimidade da confiança deve, então, avançar-se para a ponderação sobre a prevalência do interesse público subjacente à medida sobre o interesse individual (a expetativa legítima) sacrificado pela mesma (cfr. Acórdãos n. os 556/03 e 355/13). Este juízo implica também a aferição da medida da afetação da confiança – relativa- mente a interesses públicos prevalecentes – no sentido de esta não poder ser desrazoável ou excessiva (cfr. Acórdão n.º 355/13). Neste âmbito deve recorrer-se a um raciocínio de ponderação semelhante ao efetuado quanto ao princípio da proporcionalidade. Em suma, de acordo com o Acórdão n.º 287/90: «[…] a ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: Afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consa- grado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão)».

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