TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

620 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL opção legislativa corporiza, portanto, um interesse público legítimo e relevante. Tanto mais quando não é possível ignorar que a exequibilidade dos documentos particulares, nos moldes que resultavam da anterior redação do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) , do CPC, potencia o risco de interposição de execuções por quem não seja titular de um direito de crédito. Como observado por António Santos Abrantes Geraldes ( ob. cit. , p. 41), «generalizada a dispensa de qualquer intervenção notarial suscetível de confirmar a autenticidade da assina- tura e fundada a exequibilidade apenas na apresentação de um documento imputado ao executado, ninguém está livre de ser demandado em ação executiva com base em documento viciado ou abusivamente utilizado». Independentemente de outros propósitos que possam ter estado na origem da implementação desta alteração legislativa, não pode ser negado que com ela o legislador procurou atenuar aquele risco, como decorre do que, a propósito, consta da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 113/XII que veio a dar origem à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil: «Relativamente à ação executiva, mantendo-se o figurino introduzido pela reforma de 2003, assente na figura do agente de execução, a intervenção legislativa é feita em diversos planos. Desde logo, é revisto do elenco dos títulos executivos. É conhecida a tendência verificada nas últimas décadas, com especial destaque para a reforma de 1995/1996, no sentido de reduzir os requisitos de exequibilidade dos documentos particulares e, com isso, permitir ao respetivo portador o imediato acesso à ação executiva. Se é certo que tal solução teve por efeito reduzir significativamente a instauração de ações declarativas, a experiência mostra que também implicou o aumento do risco de execuções injustas, risco esse potenciado pela circunstância de as últi- mas alterações legislativas terem permitido cada vez mais hipóteses de a execução se iniciar pela penhora de bens do executado, postergando-se o contraditório. Associando-se a isto uma realidade que, embora estranha ao processo civil, não pode ser ignorada, como seja o funcionamento um tanto desregrado do crédito ao consumo, suportado em documentos vários cuja conjugação é invocada para suportar a instauração de ações executivas, é fácil perceber que a discussão não havida na ação declarativa (dispensada a pretexto da existência de título executivo) acabará por eclodir mais à frente, em sede de oposição à execução. Afigura-se incontroverso o nexo entre o progressivo aumento do elenco de títulos executivos e o aumento exponencial de execuções, a grande maioria das quais não antecedida de qualquer controlo sobre o crédito invocado, nem antecedida de contraditório. Considerando que, neste momento, funciona adequadamente o procedimento de injunção, entende-se que os pretensos créditos suportados em meros documentos particulares devem passar pelo crivo da injunção, com a dupla vantagem de logo assegurar o contraditório e de, caso não haja oposição do requerido, tornar mais segura a subse- quente execução, instaurada com base no título executivo assim formado. Como é evidente, se houver oposição do requerido, isso implicará a conversão do procedimento de injunção numa ação declarativa, que culminará numa sen- tença, nos termos gerais. Deste modo, relativamente ao regime que tem vigorado, opta-se por retirar exequibilidade aos documentos particulares, qualquer que seja a obrigação que titulem. Ressalvam-se os títulos de crédito, dotados de segurança e fiabilidade no comércio jurídico em termos de justificar a possibilidade de o respetivo credor poder aceder logo à via executiva. Ainda dentro dos títulos de crédito, consagra-se a sua exequibilidade como meros quirógrafos, desde que sejam alegados no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente». A medida legislativa em apreciação tem portanto a virtualidade de libertar o executado da necessidade de se defender de atos de agressão da sua esfera patrimonial diante de execuções abusivamente instauradas, o que, sem prejuízo do direito do exequente a instaurar execução com base no título executivo de que dispõe, também constitui direito merecedor de proteção à luz da Constituição. Compreende-se, pois, a solução normativa em apreciação à luz do interesse público invocado. Mesmo considerando a maior morosidade no exercício do direito de crédito que ela acarreta em prejuízo da sua eficácia, a solução encontrada estabelece um compromisso entre celeridade e segurança que respeita os limi- tes da liberdade de conformação do legislador. Ao garantir o direito de acesso aos tribunais, o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, não garante o direito a um determinado tipo de processo. Ora, a restrição ao direito de ação que a norma em análise implica traduz-se tão-só na eliminação da via executiva como via imediata

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