TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

621 acórdão n.º 847/14 de satisfação do crédito. Subsiste sempre a via geral do processo de declaração, além da via simplificada do processo de injunção. 16. Recorde-se, porém, que a questão de constitucionalidade que é suscitada não reside na limitação do elenco dos títulos executivos. Ela incide, sim, na aplicação do novo elenco legal dos títulos executivos aos documentos constituídos no passado e que anteriormente eram dotados de força executiva. É, portanto, no confronto entre o interesse público em evitar execuções injustas e o interesse particular em manter a força executiva do documento que titula o crédito que se joga a apreciação da proporcionalidade da solução encontrada. Nesta ponderação importa reter que o risco de instauração de execuções injustas por parte do credor munido de simples documento constitutivo de dívida assinado pelo devedor pode ser – e tem efetivamente sido –, contrabalançado por variadas soluções legislativas. Desde logo, a previsão da possibilidade de deduzir oposi- ção à execução (embargos de executado) a garantir o pleno exercício do contraditório por parte do executado (artigo 816.º do CPC antigo e artigo 731.º do CPC novo). Ou a faculdade concedida ao juiz de, na sequência de dedução de oposição à execução com simples fundamento na falta de autenticidade da assinatura imputada ao executado, ordenar a suspensão da execução caso seja apresentado documento que constitua indício de prova revelador da viabilidade da oposição (artigo 818.º do CPC antigo e artigo 733.º do CPC novo) ou ainda a penalização do exequente que atue sem a prudência exigível (artigo 819.º do CPC antigo). Diferentemente, a imprevista eliminação de exequibilidade a um documento que anteriormente era dotado de força executiva pode deixar o credor em sérias dificuldades (senão mesmo privado de meios) para ver satisfeito o seu direito de crédito. Ainda que subsistam outras vias de acesso ao direito, como o processo de injunção ou a ação declarativa, o credor deixa de poder contar com a presunção de prova da dívida que lhe oferecia o documento munido de força executiva. Na verdade, não deve ignorar-se que o direito de ação executiva, materializado no título executivo, pres- supõe a presunção da prova da dívida. Por conseguinte, a exclusão de determinado tipo de documento do rol dos títulos executivos acarreta consigo não apenas a privação do acesso imediato à ação executiva como também a privação da presunção de prova do direito de crédito. Apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a função probatória do documento constitui pressuposto da sua função executiva. Como sublinhado por José Lebre de Freitas, «o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação ou duma declaração direta ou indiretamente probatória do facto constitutivo duma obrigação e é este seu valor probatório que leva a atribuir-lhe exequibilidade» ( A Ação Executiva cit. , pp. 83-84). É por isso que o documento constitui a base da ação executiva, independentemente da atual existência da obrigação, a qual não é, por via de regra, questionada neste tipo de ação. Se em si mesma esta perda do benefício de uma presunção da prova de um direito se contém na liber- dade de conformação do legislador, a incidência do novo regime jurídico sobre situações jurídicas consti- tuídas no passado exige, todavia, uma ponderação de interesses contrapostos, constituídos, por um lado, pelas expetativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente e, por outro, pelas razões de interesse público que justificam a alteração das soluções legislativas. Nessa ponderação assume especial rele- vância a lesão ao interesse particular legítimo, na medida em que esta constitui uma ablação do valor de título executivo do documento particular que possui. A esta relevância da lesão do interesse particular contrapõe-se a prossecução de um interesse público de particular relevância que pode ser alcançado com um nível similar de eficácia através de meios menos lesivos ou numa escala temporal maior. Assim, no juízo de ponderação que é imposto pela proteção da confiança, confronta-se e valora-se o efeito negativo sobre o interesse do credor particular (que pode ficar sem possibilidade de fazer valer o seu crédito), com um interesse público, que pode ser alcançado por outras medidas legislativas e seguramente também num horizonte temporal mais alargado. Ora, neste caso, a solução justa desta ponderação feita à

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