TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

628 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Até à criação da OPP e dos respetivos Estatutos, os psicólogos portugueses que se formaram anteriormente à instituição de licenciaturas em Psicologia em Portugal exerceram a sua profissão com as qualificações necessárias para o referido exercício, sem que fosse necessária a obtenção do referido grau académico. Mesmo com a entrada em vigor do mencionado Despacho n.º 128/MEC/86, de 21 de junho de 1986, do Ministro da Educação e Cul- tura publicado no Diário da República II Série, 2.º Suplemento, n.º 146, de 28 de junho de 1986, a obtenção de licenciatura em psicologia não era vinculativa mas facultativa, sem prever qualquer cominação. 10. Ao contrário do que vem referir o Tribunal a quo, não se poderá considerar como esperada a criação de uma Ordem Profissional, que restrinja o acesso à profissão, sem que sejam salvaguardadas as situações jurídicas anteriormente constituídas – e fundadas em expectativas legítimas e consolidadas no tempo – através de um regime transitório que possibilite a todos aqueles que não reúnem os requisitos do EOP. 11. Estão aqui em causa o princípio da segurança jurídica e, mais concretamente, o princípio da tutela da confiança, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático, e que postula “«uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opres- siva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o Acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., p. 65)”, cfr. Acórdão n.º 3/10 do Tribunal Constitucional. 12. Tem sido entendimento consolidado deste Tribunal (vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos n. os  128/09, 3/10, 353/12) que a confiança dos cidadãos é merecedora de tutela jurídico-constitucional quando: a. O Estado (nomeadamente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade: o que ocorreu in casu com a atribuição da qualificação de curso superior à formação da recorrente e com o facto de a licenciatura ter sido sempre facultativa, até à entrada em vigor do EOP; b. Tais expectativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões: o exercício legal da profissão por um período de cerca de três décadas e o reconhecimento da qualidade de psicóloga, não só por entidades públicas para as quais prestou serviços, mas também através da obtenção de carteira profissional de psicó- loga, criou expectativas legítimas e fundadas para a manutenção da referida qualidade e para a continuação da possibilidade de exercer a profissão. Ao contrário do que refere o TCAS, o Estado não se limitou a tole- rar o exercício da profissão de psicólogo, foi adquirente de serviços, foi regulador, estabeleceu o regime da carteira profissional. Sublinhe-se que a existência de uma carteira profissional é a prova acabada de que o Estado não se limitou a tolerar a prestação de serviços de psicologia pela recorrente. O exercício legal, por mais de 32 anos, da profissão de psicóloga criou a expectativa legítima na recorrente de que a sua situação profissional seria acautelada, mesmo com a entrada em vigor de novos atos legislativos que regulassem a profissão. c. Os privados tenham feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comporta- mento» estadual: Toda a vida profissional e pessoal da recorrente foi e é de tal forma influenciada por esta expectativa de continuidade no exercício da profissão que se torna absoluta e incontornavelmente impos- sível à recorrente adaptar o seu plano de vida ao novo quadro jurídico, atendendo à sua idade (cinquenta e sete anos), aos compromissos entretanto assumidos com estabelecimentos de ensino e de saúde e à neces- sidade de continuar a prover ao seu sustento. A recorrente foi moldando a sua vida sempre assumindo que poderia continuar a exercer a profissão de psicóloga sem que lhe fosse exigido outro tipo de formação, uma vez que o seu desempenho profissional e consolidação da sua carreira nunca fariam supor o contrário. d. Não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do compor- tamento que gerou a situação de expectativa: O objetivo da necessidade de licenciatura – e que está rela- cionado com a salvaguarda de um serviço de saúde por profissionais competentes, habilitados e experientes – não é colocado em causa pelo exercício da profissão pela recorrente, atendendo à sua formação e à longa

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