TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

629 acórdão n.º 851/14 experiência de trabalho desenvolvido, até porque isso colocaria em causa os serviços por si anteriormente prestados. 13. Entende o Tribunal a quo que a aplicação pela OPP das normas em questão não é violadora da Constitui- ção, por não ser retroativa, mas retrospetiva. No entanto, tal como resulta do entendimento do Professor Gomes Canotilho e do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 287/90 em doutrina inúmeras vezes reiterada, a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, é inadmissível quando a alteração da ordem jurídica produzida não pudesse ser, razoavelmente, previsível pelos destinatários das normas salvo se for ditada pela necessidade de salva- guardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes. Deste prin- cípio decorre o direito à proteção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação da vida, os cidadãos têm direito a um mínimo de certeza e de segurança quanto aos direitos e expectativas que, legitimamente, forem criando no desenvolvimento das relações jurídicas. 14. A situação da recorrente – profissional de psicologia legalmente acreditada – consolidou-se na ordem jurídica numa altura em que a lei vigente não exigia a licenciatura, mas outros critérios para aceder à profissão de psicóloga. 15. Termos em que as normas do regime introduzido pela Lei n.º 57/2008, de 4 de setembro, interpretadas e aplicadas de forma a determinarem a obrigatoriedade geral e indiscriminada de obtenção de uma licenciatura em Psicologia, não poderão ser aplicadas à recorrente, sob pena de ocorrer uma violação da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente pela conjugação do artigo 2.º, do número 2 do artigo 18.º e do n.º 1 do artigo 47.º 16. Neste contexto, a recusa da OPP de acordo com o EOP em aceitar inscrições da recorrente toca despro- porcionada, desadequada e desnecessariamente o direito fundamental destes ao exercício da profissão, previsto no n.º 1 do artigo 47.º CRP. 17. No presente caso, face a tudo o supra exposto, é manifesta a boa fé da recorrente, uma vez que sempre exerceu a sua atividade, na convicção de que continuaria a fazê-lo de forma legal, face às sucessivas alterações legais até à entrada em vigor da OPP, nunca sendo exigida outra formação ou outra experiência profissional que não a da recorrente. Se assim não se entender, estar-se-á a frustrar de forma manifesta cerca de 30 anos de carreira profissional e a legítima expectativa criada pela recorrente durante todo o seu percurso académico e profissional, devidamente reconhecidos. 18. Entender que as normas do EOP se aplicam, sem reservas, ao caso concreto da recorrente, impedindo-a de exercer a profissão que sempre desenvolveu, há mais de 30 anos, implicará o seguinte: – Ou se entende que existe uma omissão legislativa, face à ausência de um regime de salvaguarda para aqueles que, como a recorrente, desempenharam desde longa data a profissão de psicólogos, devidamente habilita- dos para o efeito; – Ou somos obrigados a concluir que a lei é claramente injusta e atentatória de princípios constitucionais basilares. 19. Em ambos os casos, revela-se imperativa uma intervenção judicial para garantir os direitos, liberdades e garantias da recorrente. 20. Na verdade, constitui manifesta violação dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionali- dade, bem como do princípio da tutela da confiança, a inexistência de um regime transitório no EOP para todos aqueles que apresentam estudos anteriores à criação das licenciaturas em Portugal e que exerceram a sua atividade profissional de forma legal durante décadas, sem exigência de licenciatura, até à criação da OPP. 21. A necessidade de um regime transitório é assumida pela própria OPP, ao criar um sistema que se destina “a incluir na OPP as pessoas que, embora não cumprindo as exigências de admissão à Ordem, nomeadamente o facto de não terem feito a sua formação inicial em Psicologia, são reconhecidamente psicólogos. Procura-se assim, poder admitir novos membros da Ordem de pleno direito, um conjunto de pessoas com trabalho efetivo realizado no âmbito da Psicologia, incluindo nestes, aqueles que trabalharam na formação dos psicólogos ou que, doutras formas, deram o seu contributo para implementação e desenvolvimento da Psicologia em Portugal, mesmo não

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