TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 91.º Volume \ 2014

636 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL parte dos estudantes atletas de alta competição (cfr. o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outu- bro, na redação dada pelo artigo 46.º, n.º 1, do Decreto n.º 272/2009, de 1 de outubro). Apurou o Tribunal que, na medida em que visavam aplicar-se no ano letivo de 2009/2010, tais normas seriam materialmente inconstitucionais, louvando-se, para tanto, nos seguintes fundamentos (o itálico é nosso): «(…) Nessa ponderação, ganha relevo decisivo a consciencialização de que a satisfação dos interesses particulares não requeria a continuidade normativa, mas apenas, mais mitigadamente, a emissão de uma disposição transitória, que ressalvasse da aplicação da lei nova os praticantes que já houvessem efetuado provas do 11.º ano. A tutela, nesses termos, do investimento de confiança não comprometeria significativamente o propósito prosseguido pela mutação do regime especial de acesso ao ensino superior dos atletas de alta competição, entrando também em linha de conta com o limite de entradas ao abrigo dos regimes especiais. Só uma premência absoluta do interesse público poderia justificar a aplicação imediata e universal do novo regime. (…)» 8. A norma em crise nos presentes autos – o artigo 51.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 57/2008, de 4 de setembro – reconduz-se à figura da retroatividade inautêntica ou retrospetividade, na medida em que se trata de um normativo que, visando produzir efeitos para o futuro, toca em situações constituídas no passado e que se mantêm. É o caso da situação da recorrente que, tendo acedido ao exercício da atividade de psicóloga através da obtenção da respetiva carteira profissional, vê, em virtude de tal norma, a continuidade do exer- cício dessa atividade subordinada à titularidade de uma habilitação académica – a licenciatura – de que não é titular. Ora, mesmo admitindo que a proibição expressa de retroatividade vertida no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição, não abrange as hipóteses de retroatividade inautêntica ou retrospetividade, não há dúvida de que se está perante uma matéria altamente sensível, e que toca na zona nuclear do direito à livre escolha de profissão. Destarte, sem prejuízo da autorrevisibilidade da lei – característica distintiva da função legislativa e que justifica a inexistência de uma proibição constitucional genérica de retroatividade – há que tomar em consideração, na concretização das diretrizes operativas do princípio da proteção da confiança, o facto de a norma em causa brigar diretamente com a liberdade de escolha de uma profissão que se vinha exercendo licitamente à luz dos requisitos até aí exigidos. 9. Como vimos, o princípio da proteção da confiança desdobra-se numa sequência de valorações, que tem como ponto de partida a legitimidade das expectativas dos cidadãos afetados, ou, por outras palavras, a circunstância de estar em causa uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela resultantes não pudessem contar. Como decorre do Acórdão n.º 786/96 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ): «(…) Pressuposto de tal violação é a validade das expectativas (…). A validade das expectativas impõe que a previsi- bilidade da manutenção de uma posição jurídica se fundamente em valores reconhecidos no sistema e não apenas na inércia ou na manutenção do status quo. Deste modo, terá de ser objetivamente previsível que se mantenha uma certa regulamentação jurídica no plano dos factos, por não haver indícios de futura alteração legislativa, e também no plano dos valores jurídicos, por não se vislumbrar a sua precariedade no momento em que se constitui a situação jurídica. (…)»

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